Sábado, 28 de Fevereiro de 2015

Tchekhov em ensaio geral

O Cerejal, de Anton Tchekhov, não foi representado mas ensaiado. Os atores situavam-se na plateia, no meio do público, e repetiam sempre que o encenador pedia. Foram longos os quatro atos da peça.

Apesar de ter sido publicada em 1904, na peça há uma grande modernidade política. Então, o regime feudal na Rússia era substituído pela nova forma de sociedade, o capitalismo. A venda do cerejal e da propriedade adjacente, para fazer face à bancarrota da família, é a metáfora que encobre essa rápida transição. O burguês Lopákin, filho de escravos, acaba por comprar o cerejal para o abater e transformar em urbanização com casinhas para veraneantes. As cerejas nasciam uma vez no ano, as casas seriam alugadas todo o ano, com rendimento muito maior.

Retiro do autor do texto que acompanhava o programa algumas ideias. A peça celebra dois acontecimentos. Num deles, Lopákin resgata a dignidade dos ascendentes, celebrando a nova classe poderosa, enquanto Trofímov, eterno estudante, fala de liberdade e justiça para o futuro. Em 1917, as posições alterar-se-iam, com a revolução de Outubro. No outro, o amor nascido entre Trofímov e Ánia conduz esta à descoberta da consciência social. Outras personagens ganham densidade, como Charlotta, órfã de saltimbancos tornada perceptora, e Vária, filha adotiva de Andréievna. Esta, com a filha Gáev, não compreenderiam a mudança dos tempos e recusavam transformar o pomar numa outra atividade produtiva.

João Sousa Cardoso, o responsável pela representação em forma de ensaio, quis desconstruir o teatro "bem-feitinho", mostrando a carpintaria do ensaio, e elogiar a importância do cinema como indústria cultural prevalecente na nossa memória, pelo que o palco tinha uma tela apenas mal iluminada.

O último ato foi de grande desassossego. Os atores circulavam pelas filas onde estavam os espectadores, riam, chamavam-se pelos nomes próprios e não das personagens. As repetições, para melhorar a performance, perturbavam o desenrolar da ação. Algumas vezes, porque os atores estavam voltados para o palco e de costas para o público, não se faziam perceber, por falarem baixo e por não abrirem suficientemente as vogais (problema da língua). Depois, em especial no primeiro ato, a iluminação era escassa (a lembrar a fraca luz numa casa à noite antes da existência da eletricidade doméstica). Embora muito jovens, estudantes na maioria, atores e atrizes aceitavam pacientemente as recomendações do encenador e repetiam e voltavam a repetir a partir das deixas da personagem anterior.

Criação do Teatro Expandido!, de João Sousa Cardoso, na Sala do Teatro do Campo Alegre (Porto) ontem, com plateia muito composta. Experiência inolvidável.
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publicado por industrias-culturais às 17:34
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