Quinta-feira, 9 de Abril de 2015
Orlando Raimundo, em António Ferro, o Inventor do Salazarismo, nada deixa de pé quanto ao intelectual orgânico do Estado Novo. Vaidoso, pretensioso, saloio ou provinciano, de origens modestas, que não olha às medidas estéticas do próprio físico, oportunista que se apropria das ideias dos outros, inventor de entrevistas (um simples good morning, de Mary Pickford, deu uma entrevista) - eis o retrato traçado.
O autor tem a vantagem de escrever bem como se exige a um jornalista, com capítulos curtos, indo aos assuntos e, de vez em quando, traça paralelo com situações à margem do biografado. Ao longo do livro, percebe-se que leu tudo o que Ferro escreveu, criticando a sua pseudo-literatura, que acaba por ser curta e até resultado de algumas colagens de textos alheios, buscando a polémica.
Talvez a leitura crítica do que escreveu Ferro seja o ponto forte do novo livro. Mas não há o aparo crítico teórico inerente ao tipo de obra. E falhas, como, por exemplo, no capítulo da Emissora Nacional (por exemplo, o Serão para Trabalhadores era emitido aos sábados e frequentemente do Liceu Camões). Mas não quero ir além neste comentário. Além disso, não encontrei novidades face ao que já foi escrito e do título, o inventor do salazarismo, não encontrei justificações fortes. Isto porque o título anuncia algo que já se sabe há muito. E que o construído, Salazar, se libertou do seu construtor (Ferro). Talvez o livro de Fernando Dacosta (Máscaras de Salazar), um grande jornalista, seja mais impressiva, ele que apreciou o perfil psicológico do ditador. Uma coisa me impressionou no livro de Orlando Raimundo: o retrato impiedoso da ditadura e dos seus dirigentes, da sua mesquinhez e do seu pouco desenvolvimento intelectual, além do atraso económico do país que ficou desse período.