Quarta-feira, 11 de Maio de 2016

Radio-Toulouse e Radio-Andorre no livro de Sylvain Athiel

O livro de Sylvain Athiel é de 2008: Conquérants des Ondes! L'Incroyable Aventure de Radio-Toulouse et Radio-Andorre. Na contracapa, o autor fala de rádios periféricas mas, no fim de contas, da liberdade das ondas (ou da guerra das ondas, se quisermos ver de outro prisma), numa luta quase permanente entre propriedade privada e estatal. Radio-Toulouse e Radio-Andorre foram mitos, em que o slogan da última - Aqui Radio Andorra - testemunha essa força.

O livro de Athiel leva o leitor até à Toulouse da década de 1920, onde apresenta os pioneiros da rádio que, devido ao seu talento e a métodos (políticos, económicos) que se podem contestar, fundaram um dos impérios mediáticos mais ambiciosos do século XX, pelo menos na Europa. Os fundadores foram Léon Kierzkowski (1877-1959),, na imagem à esquerda, e Jacques Trémoulet (1896-1971), o primeiro comerciante de equipamentos e peças eletrónicas, e o segundo jornalista. Ambos tiveram a ideia de montar uma estação de rádio em Toulouse que retransmitisse a programação de uma estação de Paris, até se tornarem independente e criarem uma estação autónoma, num tempo em que o Estado não queria abrir a mão das estações de rádio à atividade privada.



Nem sempre os processos usados pelos dois sócios foram os de maior lisura. A uma primeira associação, eles manipularam a sua direção e tornaram-se os únicos proprietários. A luta contra os PTT (os CTT franceses) foi violenta, numa altura em que os correios tinham a força de um ministério (como em Portugal), a quem chamavam os petetistas (seriam os cetetistas franceses, se a palavra existisse aqui).

Mas foram inovadores e empreendedores. Saliento o uso do speaker (locutor) Jean Roy, que trabalhou sempre na Radio-Toulouse (365 dias por ano) entre 1925 e 1944. O uso do gira-discos, a relação entre música e palavra, a defesa da região de Toulouse face ao poder centralista de Paris, a passagem de artistas e da cultura no auditório de Radio-Toulouse, a perspicácia da instalação de uma estação no principado de Andorra como porta de acesso (ou defesa) face à ponderável permanente atitude de nacionalização da rádio por parte do Estado. Saliento um facto: quando um Zeppelin voou da Alemanha para os Estados Unidos, a Radio-Toulouse estabeleceu uma ligação com uma estação alemã e o balão voador, uma experiência de interligação de sucesso num mundo em rápido progresso tecnológico.

Entre Kierzkowski e Trémoulet, este último foi o estratega e o criador do império mediático. O problema de ambos foi a II Guerra Mundial. Acusados de retransmitir a programação do lado do governo instalado em Vichy, foram acusados de colaboracionistas com o nazismo. O processo político seguinte foi nefasto para os dois sócios: ficaram sem os seus bens e Trémoulet foi condenado à morte. Mas este escapou dado estar a residir na Suiça. Depois, mercê de testemunhas abonatórias ao seu comportamento, a condenação foi retirada. Mas ficou a marca e a desconfiança. Radio-Toulouse foi fechada em 1944, com a concorrência estatal na cidade a controlar a rádio. Uma das acusações era o uso noturno da estação para a transmissão de mensagens codificadas para os serviços secretos alemães, a horas em que a estação não emitia programação.

Trémoulet, dados os seus conhecimentos, refez o império mediático, ao comprar uma rádio em Tânger, depois cedida quando Marrocos nacionalizou os bens estrangeiros. E Trémoulet fez uma parceria com Ramón Serrano Suñer (1901-2003), conhecido por cunhadíssimo (cunhado de Carmen Polo, mulher do ditador Francisco Franco), promotor do envio da Divisão Azul, unidade militar integrada na Wehrmacht que lutou contra a União Soviética, e responsável pela deportação de republicanos espanhóis para campos de concentração alemães. A Rádio Intercontinental, em Madrid, resultou dessa parceria. Mais tarde, em Portugal, os dois instalariam uma estação a transmitir para o leste europeu. Isso faz parte de uma investigação minha em curso.

O texto de Sylvain Athiel não é um monótono livro de História mas lê-se como um romance, com discurso direto, e uma espécie de trama policial. A vida de Trémoulet dava, por si, um romance ou filme, com um capítulo dedicado a Portugal (este ainda não feito). Athiel é diretor na empresa A2PRL e vice-presidente na empresa Pyrénées FM, La Radio des Vallées e vive em Toulouse.

Mais recursos de leitura: Radio-Toulouse.
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publicado por industrias-culturais às 12:37
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1 comentário:
De Isabel a 11 de Maio de 2016
Muito interessante!
Gostei de ler!

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