Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015

Maria Carlota Álvares Guerra

"A Crónica [Feminina] não era propriamente sufragista – apesar das mulheres não terem então direito a voto em Portugal – e ainda menos feminista. Mas a revista pôs as mulheres a ler – o que já não foi pouco - nos transportes, nas salas de espera, nos intervalos do trabalho, no cabeleireiro. A Crónica Feminina cabia na malinha de mão e esse, associado ao preço (1$50), foi o primeiro segredo da revista, que chegou aos 150 mil exemplares semanais. Naquele tempo nem A Bola. O segundo foi o conteúdo de interesses de mulheres, ligado à vida, ao quotidiano. Na altura, as cabeças pensantes trataram com alguma arrogância a revista, que não tinha o glamour da Elle ou da Marie Claire, que se vendiam em Portugal nas edições francesas. Mas hoje até se lhe apropriam do título, ao que julgo sem sequer pedir licença" (do blogue de Diz que é uma espécie de democracia sobre Maria Carlota Álvares da Guerra, que foi chefe de redacção da popular revista da Agência Portuguesa de Revistas).

Retiro de entrevista dada por Maria Carlota Álvares da Guerra (1921-2002) a Luís Garlito (programa A Minha Amiga Rádio, em 21 de Março de 1993, Arquivo da RTP AHC 2685):

"Entretanto, resolvi fazer um programa na Rádio Renascença que se chamava A Hora da Mulher. Era um programa semanal. Convidei o meu amigo Joaquim Pedro para fazer o programa comigo. Tratava de tudo que se relacionava com a mulher. Naquele tempo, ainda se podia fazer coisas desse género sem ser muito ridículo. Agora não tenho pachorra para ler revistas femininas. Sou capaz de ler o Paris Match, uma Visão, com notícias mais válidas do que as modas. Depois de A Hora da Mulher, aconteceu-me uma coisa muito gira que foi os produtos de beleza tal tal da minha saudosa amiga Bertha Rosa Limpo, que tinha uns produtos de beleza, da altura de O Livro do Pantagruel, convidou-me para fazer um apontamento na 23ª Hora. Aí é que foi o grande boom. Eu fiz uma coisa muito bonita e ainda hoje penso que era muito bonita. Escrevia um apontamento, dirigia em cada noite uma crónica a uma mulher que eu tinha na cabeça, a uma senhora que estava em casa porque tinha torcido um pé e estava muito aborrecida porque não sabia o que havia de fazer à vida e eu falava com ela, uma senhora que tinha um filho em África onde andava aos tiros e que andava muito triste, como também estive em dada altura, uma senhora que não tinha emprego. Enfim, fiz um trabalho que ainda hoje acho que valeu a pena fazer. Há um livro que na Renascença, onde tive grandes amigos também, falei agora do senhor Álvaro Jorge. O senhor Mário Pimentel, da Rádio Renascença, que era o director comercial ou de programas, já não me lembro, era um homem de Braga, simpatiquíssimo, falava pelos cotovelos. Eu tremia quando tinha de tratar qualquer assunto com ele porque ia ter com ele lá abaixo ao escritório e já sabia que ficava lá duas horas porque ele falava e nunca mais se calava mas toda a gente gostava de falar com ele. Então, na Rádio Renascença, aceitaram fazer o livro com as minhas crónicas, que teve um êxito enorme. O livro tinha um nome um bocado kitsch. Vou explicar porquê. Eu adorei quando era rapariga nova e mesmo mulher, o Toi et Moi, de Paul Géraldy [1885-1983]. As pessoas chamem-me possidónia, se quiserem, que não hei de emagrecer por causa disso. Havia um poema nesse livro que me tocou particularmente, que era aquele em que ele pede à senhora dos seus amores que baixe um bocadinho o abat-jour porque era melhor e a hora em que os corações se falam, conversam. Que engraçado isto dos corações que conversam. Isto era giro para o título. Então, saiu-me Quando os Corações se Encontram. As pessoas julgavam que eram os corações dos namorados, mas eram os corações das pessoas umas com as outras, quando as pessoas não são propriamente os ogres que gostam de ser contactados, de se acarinhar umas às outras. Foi título de livro e da crónica na 23ª Hora. O Joaquim Pedro arranjou um indicativo musical que era um sonho, uma coisa do Mantovani, lindíssima, e ele fazia questão de anunciar o título do apontamento, da crónica. Aquilo foi para o ar, teve um grande êxito. Quando chegou ao fim do contrato, a Bertha Rosa Limpo quis recomeçar. Tive de fazer mais crónicas e tive muito gosto e felicidade. Tornou-se um bocado difícil porque o João Martins quis um apontamento para o programa dele, de manhã, que se chamou Passo a Passo, Dia a Dia, título giro, que eu e o João Martins cozinhámos. Tornava-se difícil fazer trinta crónicas mensais para a 23ª Hora mais trinta para o Passo a Passo, Dia a Dia. E depois veio o senhor Gilberto Cotta, do Talismã, que também quis umas crónicas. «Eu não posso fazer mais do que dia sim, dia não, porque fico sem graça nenhuma»".



[Crónica Feminina, de 11 de Abril de 1957 e 27 de Junho de 1957, respectivamente]
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publicado por industrias-culturais às 15:12
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