Sábado, 11 de Abril de 2015

Limite da compreensão

Um dia, conduzia a visita a exposição de pintura abstrata de um pintor português. Apesar de ainda relativamente jovem, o artista já tinha acumulado muita experiência e exibia prestígio nacional. Da turma, uma aluna mais ousada perguntou-me porque eu gostava daquele tipo de pintura. Eu, apoiado nas leituras ao longo dos anos, em livros e em crítica de arte, dei os meus argumentos. Nessa altura, fiquei convencido das minhas razões. Bastantes anos depois, comecei a ler outras versões da história da arte, apropriadamente chamadas de revisionismo histórico. A arte abstrata teve um grande impacto na literatura do género devido ao marketing apurado dos norte-americanos, passou a ler-se. Eu não me convenci, mas fiquei recetivo à nova abordagem. O pós-modernismo deixara-me alerta e atento a perspetivas diferentes da hegemónica.


A arte de Mónica Sosnowska, Arquitetonização (Casa de Serralves, 2015) trabalha a linguagem da arquitetura, mostrando corredores e estruturas em aço de peças outrora úteis e agora tornadas lixo ou objetos museológicos. Do ponto de vista espacial, a geometria, as formas apelando para o caos cósmico, ajudadas pela cor branca das paredes, o soalho envernizado do chão e as luzes difusas junto às paredes, dão uma forte espessura intelectual. Posso chamar ao conjunto das peças assim expostas um caldo escultórico. Mas a lógica construtivista remonta a Marcel Duchamp que os revisionistas tratam agora por oportunista. Qual o contributo distinto de fábricas entre Vila das Aves e Vizela, junto ao rio Ave e que se vislumbram do comboio? Ou de uma fábrica de descasca de arroz perto de Alcácer do Sal? Três décadas atrás, historiadores sonhadores falavam de arqueologia industrial como património a preservar. Algumas peças ficaram do período industrial e as suas formas adaptaram a novas funções. Sem esta sequência, lembro-me da livraria Ler Devagar, no polo da Lx Factory, em Alcântara, onde funcionou a importante tipografia Mirandela, conservando-se ainda a sua rotativa.

Se, hoje, a aluna astuta que indiquei acima me perguntasse se as esculturas de Sosnowska são arte eu não teria a convicção dessa altura. Do mesmo modo que não sei se Pântano, bailado criado por Miguel Moreira e com os bailarinos Catarina Félix, Francisco Camacho e Romeu Runa (Teatro Carlos Alberto, Porto), é arte ou puro exibicionismo (contorcionismo) de corpos. Quase no final do bailado, os intérpretes atiram farinha uns aos outros, sem qualquer alcance estético a não ser lembrar as festas de Carnaval ou as tomatadas que nos chegam via televisão de festas populares de Espanha e Itália. Estou atemorizado comigo mesmo, pois começo a não ter capacidade para compreender o novo. A isso, chama-se conservadorismo.
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publicado por industrias-culturais às 23:45
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