Quinta-feira, 4 de Setembro de 2014

Da oralidade à escrita em Jack Goody


Em A Lógica da Escrita e a Organização da Sociedade, JackGoody (Edições 70, 1987) considera a intersecção entre oral e escrito como tópico central nasua investigação. Outro objectivo foi ver os efeitos a longo prazo da escritada sociedade. Muito do trabalho que Goody provém do seu, e de outros,trabalho na África ocidental. Goody deslocou-se muitas vezes ao Gana. Algunsconceitos que trabalhou seriam fronteira (p. 21), mudança (p. 22), obsolescência(p. 24), incorporação ou conversão (p. 26), universalismo e particularismo (p.27) e especialização (sacerdotes e intelectuais, p. 32).

Nas sociedades religiosas compostas por homens eruditos,especialmente quando estes profissionais controlam, de alguma forma, oconhecimento proveniente do livro, pelo menos da Escritura religiosa, ocorreuma forma de especialização (p. 33). Claro que o clero, como corpo distinto,também aparece em sociedades orais sem escrita. Com a escrita, surge uma novasituação - o sacerdote tem acesso privilegiado a textos sagrados. Comomediador, ele possui uma ligação única com Deus. No princípio, era o livro, maso sacerdote lê-o e explica-o. Daí, as religiões baseadas no livro seremfrequentemente associadas a restrições nos usos e extensão da instrução. Nocaso extremo, os sacerdotes são a única categoria de pessoas capazes de ler, situação em diferentes etapas da história indiana, quando a instruçãoestava restrita aos brâmanes, e nos primeiros tempos da Europa medieval,a seguir ao declínio da instrução laica com a queda de Roma. Na Inglaterra, clericusacabou por se identificar com literatus e este com o conhecimento do latim,o que trouxe privilégios. Os especialistas da escrita adquirem o controloinevitável de entrada e saída de um segmento de conhecimento (p. 34).

Goody, ao decifrar as influências da escrita na religião,fala de tendências (p. 194). O tema do livro é a influência de um modo decomunicação fundamental, a escrita, na organização social (p. 205). Com isto,Goody não pretendeu negar a relevância deste ou de outro meio de comunicação. Comoinfluenciou a escrita a orientação política? (p. 107) As nações modernas estãomuito dependentes da escrita para sistemas eleitorais, legislações, administração interna e relações externas.

O uso da escrita é-o também para o registo de mudanças deestatuto social no ciclo de vida – nascimento, casamento, morte (p. 60). Apublicação toma muitas formas e aspectos nas culturas escritas, com mensagensinscritas na pedra. As narrativas da Mesopotâmia insistem no grau em que aeconomia e escrita estavam mutuamente dependentes (p. 67). A escrita erautilizada fundamentalmente para a condução dos assuntos económicos – e nãotanto para a conservação do conhecimento pelos sacerdotes (como visto acima).Mas os livros eram também usados nas contas dos depósitos do templo (p. 68). Osregistos incluem dádivas dos palácios reais e transacções a partir decasamentos, adopções e testemunhos. O templo recebia a sua dotação do palácio,que, por sua vez, arrecadava a receita, organizava a produção primária,participava no comércio (p. 81). Sobre a escrita e a economia em África, emobservações feitas pelo próprio Goody, tome-se a simples questão do crédito (p.103). Por exemplo, as mulheres ganesas forneciam comida a crédito a empregadosde um recinto de transportes. Tinham um número restrito de tipos detransacções, devido ao esforço de memória em fixar os diferentes negócios, amenos que houvesse um livro de contabilidade. A vantagem da escrita funcionavatambém no domínio da prova e do acordo. A factura escrita fornece aoportunidade de examinar e verificar o conteúdo, o que garante autoridade (p.104).

Goody dedicou atenção a duas situações, uma com e outra semescrita – o Próximo Oriente da Antiguidade, onde apareceu a escrita, e a Áfricaocidental contemporânea, onde o seu uso tem proliferado nos últimos 75 anos (p.9). Ele olha os colegas antropólogos – habituados a analisar um contextoparticular a partir do terreno e com atenção aos informadores – e oshistoriadores e arqueólogos – que reconstituem situações ao longo do tempo eestabelecem sequências cronológicas de desenvolvimento, o que o conduziu a uma terceirahipótese, que seguiu, a de pegar numa sequência (ou tópico) e seguir o seutrajecto variável no tempo e no espaço (p. 12). O autor estabelece a relevânciade alguns elementos (mas não a teoria funcionalista, onde tudo influencia tudo,e a análise sociocultural). Na bibliografia, não há referências a Harold Innis,Marshall McLuhan, James Carey ou Walter Ong. Mas cita E.L.Eisenstein (Theprinting Press as na Agent of Change) sobre as implicações da imprensa e deSherry Turkle sobre o efeito dos computadores no espírito humano. Goody e I.P.Watt publicaram em 1963um artigo (The Consequences of Literacy) na revista Comparative Studies inSociety and History. Neste artigo, exploram o significado dodesenvolvimento e do movimento da alfabetização. Ao discutir a mudança, e os seus benefícios, daoralidade para a cultura escrita, Goody e Watt notam que “a natureza intrínsecada comunicação oral tem um efeito considerável sobre o conteúdo e a transmissãodo repertório cultural” (p.2). A citação acaba por definir um contexto.

Leituras suplementares: Análise SocialHorizontes Antropológicos.
publicado por industrias-culturais às 16:25
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