Sábado, 31 de Outubro de 2015
Quando Bonnard, Kandinsky e Munch se encontram na mesma cidade há uma grande festa. Bonnard luminoso, Munch melancólico e obsessivo e Kandinsky inventor de formas abstratas - alegram o coração.
Pierre Bonnard (Fundación Mapfre) começou por estudar direito ao mesmo tempo que frequentava pintura na Académie Julian, onde conheceu outros membros do que se chamou mais tarde os
nabis (profetas). O grupo seguia Gauguin e queria obter uma verdade que transcendesse a realidade através da exaltação da cor. Bonnard afastou-se das correntes modernistas e criou o seu estilo próprio, dentro de uma estética decorativa. Estranheza, melancolia, sonho - são alguns dos atributos. A sua mulher Marthe de Méligny, que serviu de modelo, teve problemas de saúde, com o pintor a retratar estados neuróticos. Ele pintou nus com outros modelos, Trabalhou paisagens mas concentrou-se muito em cenas íntimas de interior, como à volta da mesa, experimentação de cores (branco, amarelo), parecendo iluminadas por detrás, algumas delas sem profundidade, com as paredes revestidas de papel de parede, cujos temas se confundem com as personagens representadas. Mas também pintou telas gigantes de encomenda (para mim, de impacto estético menor). Bonnard viveu entre a Normandia e a Cote d’Azur, com iluminações diferentes, o que se reflete no seu trabalho. Dos quadros expostos, saliento um em que ele mostra o escritório dos comerciantes da sua obra. Há uma paisagem junto à costa, com cores muito experimentais. No seu percurso, há um momento de inspiração baseado na cultura japonesa. A reflexão do fim da vida nos autorretratos, caso do
boxeur, quadros de crueza perante a morte.
Edvard Munch. Arquetipos (Museo Thyssen-Bornemisza). Muitas das obras provêm do museu de Oslo. Os temas são estados anímicos (melancolia, paixão, submissão) e obsessões existenciais (amor e ódio, desejo, ansiedade e morte). No primeiro tema, talvez o que mais me tenha chamado a atenção. As mulheres do campo mas junto à costa olham desencantadas ou sem esperança, repetindo formas em gerações diferentes. Mãe e filha têm a mesma postura de corpo, já conformadas com o destino, a pobreza e as condições duras da vida. Há cenas de uma povoação interior, com a sua pobreza e finitude de valores. Não sei se há alguma solidariedade entre as personagens. Munch retoma temas trabalhados quase trinta anos depois, como a doença da menina, experimentando ainda diversos materiais: folha de cobre (para impressão), litografia, tela com óleo. As salas do amor e do ódio são as mais significativas dos trabalhos presentes. A um conjunto pequeno de peças que representam o beijo (a lembrar também Klimt), no resto do tema o homem é apresentado como o sexo fraco. A mulher aparece como o vampiro, que morde e assassina o homem. Vê-se isso em cenas em que a mulher, de pé, contempla o cadáver do homem deitado na cama. Já nos quadros iniciais da povoação rural, as formas que se tornariam célebres em
O Grito aparecem ali, uma espécie de grafia repetida ao longo da sua carreira. De
O Grito, há uma pequena obra, um esboço do que se tornaria a mais emblemática obra do autor.

Kandinsky (CentroCentro Cibeles). A amostra não é significativa da evolução estética do autor, embora a sua divisão em quatro capítulos, de estudante de direito e economia a pintor nos dê instruções de percurso. Ela centra-se na fase geométrica, das linhas e dos círculos, da régua, esquadro e compasso, nomeadamente obras feitas no tempo da Bauhaus, para onde foi a convite de Gropius. Poucas obras da sua fase inicial figurativa e poucas obras fundamentais da abstração e da escolha de cores que o tornaram grande pintor (que se pôde ver poucos anos atrás no Centre Pompidou). Não há, portanto, uma linha biográfica muito forte mas uma aposta num determinado tempo ou esquema estético, sem permitir o conhecimento da sua evolução como artista, as ligações com outros pintores e com a sua mulher que o ajudou num tempo determinado, a relação dos materiais com a maior ou menor possibilidade financeira (Kandinsky, na fase do regresso à Rússia revolucionária, não tinha dinheiro para comprar telas, pelo que se ficou no papel, o que implica outras técnicas pictóricas). Vislumbra-se de longe a sua passagem por Paris ou pela Alemanha.
Sexta-feira, 30 de Outubro de 2015
Na secção
Histories and historiographies of radio da conferência da ECREA,
Radio Research Conference 2015, realizada em Madrid (28-30 outubro), destaco as comunicações de Anja Lindelof (Universidade de Roskilde;
Radio, music and liveness) e Steen Kaargaard Nielsen (Aarhus University;
Danish radio broadcasting on trial – revisiting the 1931-debate on "living music" versus "mechanical music"), ambos dinamarqueses.
Anja Lindelof destacou o papel da orquestra sinfónica (orquestra de câmara) da rádio pública dinamarquesa, nascida em 1925 e desaparecida em 2014. No diapositivo abaixo, ela falaria das lutas de sobrevivência da orquestra. Primeiro, a atual modernidade da rádio implica o desaparecimento de um modelo com quase cem anos. Se a transmissão para restaurantes, por exemplo, pedida em 1937, perdeu total significado, ou o registo de discos pela estação de rádio foi abandonado pela atividade privada, o conceito de orquestra sinfónica representa uma mentalidade em termos de produção presente. Curioso em 1949 a separação entre rádio clássica e rádio de música ligeira, pelas semelhanças com a ação da nossa Emissora Nacional de Radiodifusão. A recente luta pela sobrevivência passou pelos patrocínios, pela criação de uma marca e por festas, como se se tratasse de uma banda que tem contactos massificados nos concertos. A autora teve tempo ainda para refletir na idade de ouro da música de câmara na rádio e na distinção entre alta e baixa cultura. O trabalho de Anja Lindelof inspirou-me a traçar uma linha na investigação que não imaginava existir.

Já Steen Kaargaard Nielsen, a trabalhar na edição de um livro sobre a matéria da querela em 1931 entre música ao vivo e música gravada, que o diapositivo abaixo (cartune) ilustra, tem igual paralelo na vida cultural portuguesa, o que indica que as realidades sociais e tecnológicas não andam distantes de país para país. Steen Nielsen desenvolveu uma ideia de som natural e de som metálico, de efemeridade da emissão radiofónica - e da sua imaterialidade, acrescento. Claro que a música ao vivo atingia poucas pessoas e identificadas com um estatuto social mais elevado, ao passo que a música gravada, a partir do momento da massificação e baixa de preços dos discos e dos dispositivos mediados da música, tornou-se uma espécie de propriedade do povo. O autor referiu ainda a importância dos jovens na renovação musical, pelo que falou de movimentos juvenis. Uma última nota: na Dinamarca, fala-se mais de música de ritmo do que música popular.
Quinta-feira, 29 de Outubro de 2015
Quarta-feira, 28 de Outubro de 2015
Umberto Eco é um bom contador de histórias. Ele tem muita experiência de escrita de narrativas, possui uma enorme cultura europeia (e norte-americana, quando escreveu sobre banda desenhada em
Apocalíticos e Integrados) e é sábio pela idade. Logo, um novo livro aguça o apetite do leitor em busca de uma história palpitante.
Número Zero não foge à regra. Primeiro, tem uma dimensão própria para se ler num serão ou numa viagem de comboio, por exemplo. Depois, há uma intriga policial, aqui com um regresso a acontecimentos passados, como ele produziu no livro
A Misteriosa Chama da Rainha Loana, por exemplo. Sob a forma de diário, Colonna, jornalista e escritor fantasma (
ghost-writer), escreve sobre um jornal chamado
Amanhã, de que apenas se editarão números zero. Além do dr. Colonna, têm importância para a história o diretor Simei, a solteira Maia Fresia e o investigador de coisas ligadas à teoria da conspiração, Romano Braggadocio. Colonna amparar-se-ia no ombro de Maia, Braggadocio vasculharia na História a morte do ditador Mussolini, o que ditaria o assassinato do jornalista, o fecho mais rápido do jornal e a fuga do diretor e de Colonna, que ia escrever um livro sobre a experiência do jornal de números zeros. Há uma personagem distante, apenas entrevista, a do comendador, o dono do jornal e com interesses económicos e financeiros em muitas áreas de negócio.
Um terceiro elemento a retirar do romance é a erudição do autor, aqui excessivamente aplicada. E, talvez, algum exagero na descrição da história de Mussolini e do presumível duplo deste, que teria morrido na praça pública, enquanto o verdadeiro ditador se refugiava na Argentina, como Braggadocio estava a investigar. Porém, por outro lado, o centrar muito da narrativa na história do fascismo italiano de um modo leve mas relevando a estupidez, a perversidade e o tenebroso do regime habilita leitores mais jovens a compreenderem o núcleo político desse regime desaparecido no final da II Guerra Mundial. Além de nos levar a pistas engenhosas de grupos extremistas como Gladio e Aginter Presse, este último com atividade verdadeira em Portugal e já romanceado por João Paulo Guerra, pelo menos.
O quarto elemento - e a razão principal que me leva a escrever sobre o romance de Eco - é o que ele conta ou analisa sobre a atividade jornalística: os temas, as relações com o mundo político, empresarial e económico, o que convém dizer ou não, as insinuações, a ausência de objetividade e, mais do que isso, de verdade em muitas notícias. Não sendo um livro de sociologia ou de história dos media, sem a organização dos textos de ciências sociais, mas um romance, onde o mais importante é o enredo, do livro retiram-se muitos conhecimentos, interessantes para quem quiser estudar o jornalismo. Reconheço que a imagem que daqui sai sobre os media está longe de ser otimista ou positiva, mas a sua leitura permite pensar (ou efabular) sobre jornais e meios de comunicação que conhecemos. A morte de caráter (indivíduos ou entidades), o tendencioso e o falso em muito do que se noticia, surgem no livro em toda a sua nudez.
Recupero Eco de um seu texto que li com muita atenção
Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais: "Ter um inimigo é importante, não apenas para definir a nossa identidade, mas também para arranjarmos um obstáculo em relação ao qual seja medido o nosso sistema de valores, e para mostrar, ao afrontá-lo, o nosso valor" (p. 12). E lembro-me dos tão brilhantes quanto impenetráveis livros de semiótica do autor: a
Obra Aberta continua uma das minhas grandes referências literárias de sempre. E
O Nome da Rosa um romance de uma enorme imaginação e que passou para o cinema.
Domingo, 25 de Outubro de 2015
No
Diário Popular, de 18 de agosto de 1970, Álvaro de Andrade escreveu sobre o Quarteto Vocal da Emissora Nacional, recordando a composição do grupo e suas histórias desde 1947. Ele incluía Mota Pereira (baixo, professor liceal e profissional da Emissora), tenor Guilherme Kjölner, barítono Paulo Amorim e Fernando Pereira, popular cantor de opereta, sob a direção do maestro Belo Marques. Mota Pereira, depois de atuar em recitais na Rádio Nacional de Espanha, trouxe a ideia e pô-la em prática.
Domingo, 18 de Outubro de 2015
Leio e fico com muita pena: Luís Miguel Cintra anunciou a despedida dos palcos. Ligado desde sempre ao teatro Cornucópia, acaba a sua carreira devido a problemas de saúde. O ator nasceu em 1949.
[
Diário Popular, 7 e 18 de outubro de 1974]
Sexta-feira, 16 de Outubro de 2015
Luís Paixão Martins lançou ontem, na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, o livro
Tinha Tudo para Correr Mal. Memórias de um Comunicador Acidental, pela Chiado Editora. Ao mesmo tempo, a sessão serviu para apresentar o News Museum, a lançar em Sintra em março de 2016 (ver vídeo abaixo).
O livro, como se lê no título, constitui as memórias do autor, de 61 anos, que passou sucessivamente pela rádio e pelo jornalismo, até montar uma empresa que se confunde com o seu nome, LPM. Quem lê a badana do livro, fica impressionado com o nome dos seus clientes: José Sócrates, Aníbal Cavaco Silva, Ricardo Salgado, Jorge Nuno Pinto da Costa e Isabel dos Santos.
Na Rádio Renascença, entrou em 1971, para substituir Fernando Sousa, entretanto integrado no serviço militar (p. 13). Com apenas 16 anos e quase a completar o liceu, recebia o número de funcionário 309 na estação. O horário era da meia-noite às seis da manhã, dia sim dia não, alternando com António Sérgio Ferrão. Depois, esteve no programa
Página 1, nos noticiários da estação, esteve de serviço na madrugada de 25 de abril de 1974 sem se aperceber de imediato do que se passava. Mais tarde, colaborou no Jornal Novo e na ANOP (p. 32), Nessa altura, frequentou cursos em Paris, nomeadamente no CFPJ, Centre de Formation et de Perfetionement des Journalistas. Foi ainda colaborador da Rádio Comercial (fornecedor externo) entre 1979 e 1986 (p. 43). Aos 32 anos, em 1986, deixava o jornalismo e iniciava o trabalho de contactos com empresas em termos de comunicação e marketing. Começou a trabalhar para o Gabinete de Imprensa dos CTT, alugando a sala 18 do Forum Picoas e operacionalizando a LPM (p. 49). Tinha, então, como escreve no livro, condições para que tudo corresse mal. Mas parece que não,
Arroios TV from
Rogério Santos on
Vimeo.
Arrancou ontem o canal de televisão Arroios TV, projeto daquela autarquia de Lisboa. Segundo notícia ontem do jornal
Público, são cerca de 48 mil euros investidos - 35 mil para a aquisição de equipamentos como câmaras de filmar e computadores, 10 mil para o estúdio, localizado num dos pólos da junta de freguesia, e 2350 euros para a anuidade do canal MEO.
Ainda de acordo com a mesma notícia, "não há uma equipa própria para a Arroios TV, esta será composta por pessoas que trabalham simultaneamente noutros projectos e se voluntariaram para ajudar. Muitos deles são jovens em estágio profissional". A transmissão do canal será feita de segunda a sexta-feira, das 10 às 18 horas, com repetições aos fins-de-semana. A Arroios TV será inicialmente transmitida nos pólos que a junta tem na freguesia mas em breve será alargada a outros locais, como os mercados. A transmissão pode ser vista no canal Meo 5050 (
www.kanal.pt/5050). Na mesma notícia, indica-se que o canal Arroios TV pretende reforçar a sua componente internacional ao incorporar o projeto de cinema Arroios Film Festival 2016 (1 a 8 de julho), conciliando multiculturalidade e cinema,
[o vídeo mostra alguns preparativos e entrevistas a alguns dos principais intervenientes]
Quarta-feira, 14 de Outubro de 2015
Amanhã, a partir das 10:00, a Arroios TV começa a emitir em direto do Largo do Intendente Pina Manique, Lisboa. Projeto da Junta de Freguesia de Arroios, estará presente na emissão inaugural o olisipógrafo José Sarmento de Matos. O acesso à emissão faz-se através do canal 5050 do Meo ou através de www.kanal.pt/5050. Ver vídeo de
introdução.
Livro de Luísa Vilarinho Pereira, a lançar dia 19 de outubro na Biblioteca Nacional.