Sábado, 24 de Janeiro de 2015
Foi ontem à noite em Alcoutim. O mote inicial foi a exposição de telefonias (rádios) da colecção de Orlando José, na Casa dos Condes, patente até ao final do mês. Depois, foi a apresentação do meu livro
A Rádio em Portugal, 1941-1968 por Adelino Gomes (que desempenhara o mesmo papel na SPA, no final do ano passado, agora com um discurso mais pedagógico, orientado para um público generalista mas apaixonado pela rádio, levando memórias de sons, como os sinais horários da estação oficial Emissora Nacional / Antena 1) [o vídeo abaixo dá conta de um momento da sua apresentação; peço desculpa pela não boa qualidade do mesmo] [a última fotografia foi tirada por João Carlos Simões].
Encontrámos um ambiente inesquecível. Agradeço a Cristina Ahrens e à sua equipa ligada à câmara municipal e junta de freguesia pela inclusão do meu livro na 50ª tertúlia da Casa dos Condes. E à assistência, com os seus testemunhos e memórias, de que relevo Carlos Brito, antigo dirigente do Partido Comunista, que lembrou, da sua infância, os receptores a bateria, ainda não havia electricidade pública e para as habitações na região. A associação recreativa de Alcoutim tinha uma bateria de reserva, carregada em Vila Real de Santo António ou Beja. Para o mesmo participante, os profissionais da rádio constituíram um elemento essencial para a formação da opinião pública que levou à queda do regime político em 1974. Outro participante, o actor Francisco Brás, que dirige o TEA – Teatro Experimental de Alcoutim, lembrou o teatro e os folhetins radiofónicos tipo
Simplesmente Maria e a coxinha do Tide.
Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015
“Cantando espalharei por toda parte”: programação, produção musical e o “aportuguesamento” da “música ligeira” na Emissora Nacional de Radiodifusão (1934-1949) foi o título da tese de doutoramento de Pedro Filipe Russo Moreira em Ciências Musicais, ramo de Etnomusicologia, da Universidade Nova de Lisboa. Recupero aqui o sumário desse trabalho:
"A presente tese apresenta uma abordagem etnomusicológica à produção de “música ligeira” no âmbito da Emissora Nacional de Radiodifusão, entre 1934-1949. Analiso as principais linhas das políticas de programação levadas a cabo pelas diferentes administrações, nomeadamente de António Joyce (1934-1935), Henrique Galvão (1935-1940) e António Ferro (1941-1949) (Capítulos 1 e 2), e os principais elementos discursivos utilizados, focando a atenção na organização da produção da “música ligeira” na sua relação com as políticas culturais do Estado Novo e com as estratégias de programação das três administrações no período em foco. A grelha analítica e a metodologia foram construídas a partir de diferentes perspectivas disciplinares, como a Etnomusicologia Histórica, Antropologia, Sociologia, Estudos de Música Popular e História Contemporânea, privilegiando uma perspectiva interdisciplinar que permitiu uma abordagem ampla ao objecto de estudo. Neste sentido, a investigação permitiu problematizar o processo de institucionalização da “música ligeira” na EN através de uma análise às diferentes componentes envolvidas na produção musical, nomeadamente as orquestras (Capítulo 3), a composição (Capítulo 4 e 5), os cantores (Capítulo 6), revelando a sua organização, interligação, e interdependência. A produção de “música ligeira” foi determinante na orgânica institucional através da promoção de concursos, prémios e de novas estruturas durante a administração de António Ferro. Aprofundei a actividade do Gabinete de Estudos Musicais, fundado em 1942 por ímpeto de António Ferro e Pedro do Prado, cuja terceira secção se dedicou ao processo de “aportuguesamento” da “música ligeira”, ou seja, ao arranjo de melodias de matriz rural, ou à composição de originais inspirados em géneros coreográficos associados ao universo do “folclore” (p. ex.: vira, corridinho) adaptados para as orquestras e cantores da EN. A análise deste processo foi efectuada tendo em conta as políticas de folclorização e de “aportuguesamento” empreendidas pelo SPN/SNI liderado por António Ferro no quadro da sua matriz ideológica nacionalista no quadro da modernidade que preconizava. A análise dos dados permitiu ainda concluir que não foram alheias a este processo as influências dos géneros musicais divulgados pelas indústrias transnacionais da música, como o Swing, o Tango, o Bolero, e dos seus modelos performativos, como evidenciado pela visibilidade alcançada pelas “vedetas” da rádio. O estudo do processode construção de uma “vedeta” no âmbito radiofónico através do caso específico das Irmãs Meireles permite ilustrar as premissas anteriores, no modo como se internacionalizaram e levaram além-fronteiras o projecto de “aportuguesamento” delineado por António Ferro.Partindo de uma perspectiva relacional, foi também possível cruzar as políticas de programação e de produção musical da EN com outras instituições do Estado Novo, realçando as políticas interinstitucionais através do caso paradigmático da colaboração com a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e do programa radiofónico Serões para Trabalhadores lançado em conjunto com a EN (Capítulo 7), central como meio para a endoutrinação dos operários, mas constituindo igualmente um dos principais destinatários da produção de “música ligeira” da rádio oficial do Estado Novo".
[
Rádio Nacional, 10 de Janeiro de 1947]

José Manuel Nunes, José Nuno Martins e Adelino Gomes receberiam os prémios da Rádio 1970 atribuídos pela Casa da Imprensa apenas no começo de 1972. O quarto nome dos premiados foi o operador José Videira. Estes eram os rostos da designada rádio nova, a brotar em especial desde 1970.
A estes nomes, eu acrescentaria João Paulo Guerra e Rui Pedro. Novas correntes musicais e, sobretudo, uma nova maneira de olhar o mundo e os seus acontecimentos, com uma leitura profunda que não tinha eco ou comparação nos media censurados.
Flama, 28 de Janeiro de 1972.
Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015
Não gosto do género musical interpretado por Marco Paulo mas não pretendo fazer uso dessa minha apreciação nas linhas que se seguem. O sociólogo ou o historiador deve olhar para os factos ou estruturas de forma mais objectiva. O importante é compreender como os fenómenos e as tendências ocorrem e as suas razões.
Marco Paulo é nome artístico, pois o cantor nasceu como João Simão da Silva. A primeira vez que ele cantou na televisão foi num programa de Cidália Meireles ainda com o seu nome de nascimento. Nesse
programa, a antiga membro do trio Irmãs Meireles dizia defender a música portuguesa. Simão da Silva teve êxito na actuação, o que levou a editora Valentim Carvalho a procurá-lo.
António Calvário, figura do cantor romântico de então, transferira-se para a Belter, com condições que a Valentim de Carvalho não podia oferecer [na mesma altura, Madalena Iglésias também foi para a etiqueta Belter]. Ficando sem o
crooner de maior rendimento, a editora viu potencialidades em João Simão da Silva e começou uma operação de lhe arranjar repertório. Em dois sentidos, através de originais de Manuel
Paião e Eduardo Damas e das versões de cantigas internacionais com letra adaptada em português. Oprimeiro disco do novo cantor foi um grande sucesso: Vorrei.
O cantor dos cabelos encaracolados cantaria canções dedicadas a mulheres, com os nomes delas: a Joana, que acabaria por casar com o rival, a Isabel, que jurou amor mas também se afastou, Nina, de tranças morenas, Anita, com os seus blues jeans, a morenita, que ia namoriscando os rapazes e se divertia a dar-lhes falsas esperanças, Susana, altiva que fingia não o ver na rua. E o estrondo veio quando cantou Eu Tenho Dois Amores, uma loura, outra morena. Isto é, histórias de amores fracassados mas igualmente de promessas nem sempre muito duradouras.
Se a mudança de regime político em 1974 acabou com a maior parte dos artistas do nacional-cançonetismo, Marco Paulo ganhou sucesso nos anos seguintes, uma espécie de voz popular rural e semi-urbana face à música urbana de intervenção e politizada. Agora, na semana que fez 70 anos de idade, ele foi motivo de recordação. Cantores de idade mais jovem ocupam o seu lugar de outrora, caso de Tony Carreira. Sobre este, um dia, fiquei admirado: um grupo grande de fãs suas vestiam t-shirts com o seu rosto estampado. Um concerto por ele dado no Campo Pequeno levara essa multidão de mulheres, algumas já de idade madura, a percorrer alegremente os corredores do centro comercial.
Quarta-feira, 21 de Janeiro de 2015
Em 1973, a voz do telefone 15 (das horas) passava a pertencer a Maria Júlia Guerra, locutora de rádio.A locutora começara a atividade radiofónica em 1959 dentro das funções do Secretariado Nacional de Informação. Após estágio neste organismo do Estado, ela entrou na Rádio Renascença, onde seria a voz do programa de discos pedidos
Quando o Telefone Toca. Desde 1964 a colaborar com a Emissora Nacional, vincular-se-ia à estação pública em 1966. No final de 1970, ela estagiaria na BBC.
O serviço de horas dos telefones começara em 1934. Alterado em 1952, com uma gravação de sistema ótico, voltaria a sofrer mudanças em 1964, quando Maria Leonor Magro, então popular locutora da Emissora Nacional, emprestou a sua voz ao serviço. Em 1973, a entrada em funcionamento de novo sistema, agora com disco magnético, levou ao convite para Maria Júlia Guerra dar a sua voz (
Flama, 27 de abril de 1973).
A KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã, organizada pelo Goethe-Institut, começa amanhã dia 22 de Janeiro, em Lisboa, com o filme que concorreu pela Alemanha à nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro,
As Irmãs Amadas, de Dominik Graf, no cinema São Jorge.Um ponto alto da mostra será a presença do realizador Andreas Prochaska para apresentar o seu mais recente filme
O Vale Sombrio, premiado em vários festivais internacionais, no dia 24 Janeiro.
A Sociedade Orpheon Portuense (1881-2008). Tradição e Inovação, com coordenação de Henrique Luís Gomes de Araújo e edição da Universidade Católica Editora, é um livro sobre aquela instituição que oferecia simultaneamente uma prática amadora, uma oferta profissional e um intercâmbio internacional de música erudita, dependendo apenas dos seus recursos, como indica Rui Vieira num dos primeiros textos do volume (p. 9). A instituição beneficiava do fundador Bernardo Moreira de Sá, discípulo de Joseph Joachim no conservatório de Leipzig, e de outros nomes de músicos profissionais e da necessidade cultural de famílias da cidade, continua a ler-se no mesmo texto.
No parecer de Tiago Manuel da Hora, em outro texto do livro, a Sociedade de Concertos do Orpheon Portuense foi responsável pela apresentação de grandes vultos da música na esfera internacional no final do século XIX e em grande parte do século XX, ultrapassando até os propósitos iniciais da instituição (p. 25). Três direcções artísticas lideraram o Orpheon, da família Moreira de Sá. A sede, depois de algumas mudanças, acabaria por se fixar na praça da Batalha, no coração da cidade. No mesmo texto, salienta-se que, em meados de 1895, se lotavam os 350 lugares do salão do Grémio Comercial do Porto. O número de sócios ia crescendo lentamente, chegando a mil em 1974. No final desta década, dificuldades financeiras e o aparecimento de outras instituições ditaram a perda de importância do Orpheon (p. 31). No final da década de 1980, o número de concertos reduzia-se. O último concerto ocorreu em Março de 1993. No começo de 2008, uma derradeira assembleia geral extinguia a sociedade, passando todo o espólio para a Fundação Casa da Música (p. 195).
Sem integrar aqui todos os textos, escrevo que João-Heitor Rigaud analisa a vida e obra de Moreira de Sá, Maria do Rosário Pestana conclui que o Orpheon reflecte um novo modelo de sociedade nas esferas pública e associativa, Christine Wassermann Beirão estuda o contributo da instituição na divulgação da música portuguesa, Jorge Castro Ribeiro a arte de saber ouvir e Henrique Luís Gomes de Araújo debruça-se sobre as famílias fundadoras, de músicos e empresários, pertencentes às elites da cidade e da região que contribuíram para a sustentabilidade da sociedade orfeónica. A obra, de grande qualidade gráfica, tem muitas imagens de músicos que tocaram no Orpheon Portuense, o que a torna um objecto de inegável interesse.
Terça-feira, 20 de Janeiro de 2015
Cartoon publicado na revista
Flama, 1 de Junho de 1973.
Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2015
A Cooperativa de Comunicação e Cultura inaugurou a exposição
Empty Stages, de Tim Etchells e Hugo Glendinning, na câmara escura, rua da cruz, 13, em Torres Vedras, e que se prolonga até 6 de Março.

"Os palcos são retratados, regra geral, no seu auge, habitados por corpos trabalhados, quase perfeitos, expressivos, que os enchem de vida e histórias. Tim Etchells, em colaboração com Hugo Glendinning, mostra o palco como um papel em branco ou uma moldura vazia por ocupar. Numa senda por palcos vazios de todo o mundo, entre teatros amadores, bares, escolas, centros de convenções, átrios de igrejas, teatros municipais e clubes de trabalhadores, fotografaram os palcos nos momentos vazios que se opõem aos momentos repletos de vida que associamos a estes lugares. “Empty Stages” é, mais do que um conjunto de momentos, um comentário social de como as comunidades estãoa mudar a maneira de ver os espectáculos. Este comentário surge na forma de retratos de palcos vazios. Como vamos usar estes e outros lugares vazios, será da responsabilidade, mais do que da imaginação, da consciência de cada um" [imagem e texto fornecidos pela organização].