Quinta-feira, 31 de Dezembro de 2009

TELEVISÃO MANUAL

Nos anos mais recentes, quando os visitávamos, tomávamos chá e comíamos bolachas saborosas que indagávamos onde eram compradas. Por vezes, ele perguntava-me quantos litros de gasolina gastava o automóvel aos cem quilómetros, algo que nunca soube responder. E como ia o emprego, que eu procurava descrever o melhor possível. Depois, falava do seu tempo na tropa, por volta dos anos da II Guerra Mundial, em Cabo Verde. Ao mesmo tempo, havia mágoa e saudade. Para ele, o serviço militar, apesar das dificuldades todas, fora um rito de passagem fundamental, social e até mesmo económico. As conversas foram-se espaçando, eu sei que por minha falta. Havia a desculpa de ir ao cinema, de preparar uma aula, de não se que mais. Um domingo de manhã, cruzámo-nos na rua e fomos tomar um café. Foi um dos últimos momentos – e a mulher dele gostava tanto de café, que podia bebericar a todo o momento com uma grande satisfação. O tempo e a velhice e doença dele afastou-nos até ao irremediável. Mas havia sempre um telefonema de sua casa para a nossa, uma gentileza que ele e a mulher mantiveram até ao fim da vida.

A minha memória vai mais longe. Lembro-me do Verão e do Outono de 1960, tão longínquo que vão. As tardes em Santo Amaro de Oeiras, praia que me parecia sem fim, com uma bola de Berlim e uma Fanta de laranja em garrafa bojuda, tanto açúcar que hoje me parece um escândalo. Ao fim da tarde, ou de manhã, ia à Baixa de metro, apanhando-o na estação da Avenida de Roma. As estações e os combóios eram novos. Fotografias recentes lembraram-me de como brancos e limpos eram os prédios da avenida, agora avassalados por graffitis selvagens. Das fotografias retenho também os raros automóveis a circularem, das senhoras bem vestidas a passearem e a entrarem nas lojas. O centro de Lisboa deslocara-se, por um período, para as avenidas novas. A avenida da Igreja é, ainda hoje, um espelho do movimento de há 40 anos atrás, mas as lojas envelheceram ou fecharam, tornando-se algumas delas manhosas e provincianas, que as luzes de Natal não ajudam, com uma concorrência feroz dos grandes centros comerciais (embora a zona do Chiado ilustre uma transformação notável, como estes últimos dias testemunham).

A televisão emitia há poucos anos. Foi por essa altura que vi os primeiros programas. Mostrando o meu interesse, ele fez-me uma televisão manual. Explico melhor: no interior de uma caixa de sapatos – ou uma caixa de cartão de maior dimensão – construiu uma estrutura em madeira, onde colocou dois pequenos carretos de aço, que funcionariam como bobinas. Na tampa da caixa, abriu uma ranhura como se fosse um ecrã e cobriu-o com uma mica. Após a entrega do brinquedo, o que tinha eu que fazer? Recortar histórias de banda desenhada dos jornais, colar os episódios na vertical e rodar lentamente um manípulo ligado a uma das bobinas. O único espectador era eu, e eu era igualmente autor, realizador e montador. Por vezes, eu escrevia histórias, que prolonguei por quatro ou cinco anos, até atingir a adolescência e ocupar-me com outras preocupações.

Mas ficou a memória de um artesão e de um criativo de grande sensibilidade, que fez o brinquedo que mais pena me faz por ter desaparecido. Assim como tenho pena de não ter fotografado o seu armário de ferramentas de mecânico, tão organizadas, arrumadas e identificadas estavam. Nas conversas dos últimos anos, chegámos a falar da televisão manual e da importância que trouxe para a minha imaginação, numa altura de muito menos recursos. Estávamos ainda longe da máquina fotográfica digital, do computador e dos blogues. Se fosse possível, quantos filmes eu montaria e colocaria aqui no blogue?

Morreu em 2005. A ele dediquei o meu livro As vozes da rádio (2005). Um dos seus nomes também faz parte do meu.

Durante 1960, a RTP emitiu durante 1285 horas, com 614 empregados no seu quadro. Havia 47372 televisores registados e a pagarem taxa. A facturação publicitária ultrapassou, pela primeira vez, as 100 horas e os 10 mil contos (cerca de 50 mil euros na actual moeda). As visitas dos presidentes Eisenhower (americano) e Kubitschek de Oliveira (brasileiro) foram tema de amplas coberturas em directo (RTP 50 anos de história). Mas teve importância primordial a primeira transmissão directa do estrangeiro: a reportagem do encontro de hóquei em patins Espanha-Portugal, campeonato ganho pelo nosso país (RTP 50 anos de história).
publicado por industrias-culturais às 17:41
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Nos anos mais recentes, quando os visitávamos, tomávamos chá e comíamos bolachas saborosas que indagávamos onde eram compradas. Por vezes, ele perguntava-me quantos litros de gasolina gastava o automóvel aos cem quilómetros, algo que nunca soube responder. E como ia o emprego, que eu procurava descrever o melhor possível. Depois, falava do seu tempo na tropa, por volta dos anos da II Guerra Mundial, em Cabo Verde. Ao mesmo tempo, havia mágoa e saudade. Para ele, o serviço militar, apesar das dificuldades todas, fora um rito de passagem fundamental, social e até mesmo económico. As conversas foram-se espaçando, eu sei que por minha falta. Havia a desculpa de ir ao cinema, de preparar uma aula, de não se que mais. Um domingo de manhã, cruzámo-nos na rua e fomos tomar um café. Foi um dos últimos momentos – e a mulher dele gostava tanto de café, que podia bebericar a todo o momento com uma grande satisfação. O tempo e a velhice e doença dele afastou-nos até ao irremediável. Mas havia sempre um telefonema de sua casa para a nossa, uma gentileza que ele e a mulher mantiveram até ao fim da vida.

A minha memória vai mais longe. Lembro-me do Verão e do Outono de 1960, tão longínquo que vão. As tardes em Santo Amaro de Oeiras, praia que me parecia sem fim, com uma bola de Berlim e uma Fanta de laranja em garrafa bojuda, tanto açúcar que hoje me parece um escândalo. Ao fim da tarde, ou de manhã, ia à Baixa de metro, apanhando-o na estação da Avenida de Roma. As estações e os combóios eram novos. Fotografias recentes lembraram-me de como brancos e limpos eram os prédios da avenida, agora avassalados por graffitis selvagens. Das fotografias retenho também os raros automóveis a circularem, das senhoras bem vestidas a passearem e a entrarem nas lojas. O centro de Lisboa deslocara-se, por um período, para as avenidas novas. A avenida da Igreja é, ainda hoje, um espelho do movimento de há 40 anos atrás, mas as lojas envelheceram ou fecharam, tornando-se algumas delas manhosas e provincianas, que as luzes de Natal não ajudam, com uma concorrência feroz dos grandes centros comerciais (embora a zona do Chiado ilustre uma transformação notável, como estes últimos dias testemunham).

A televisão emitia há poucos anos. Foi por essa altura que vi os primeiros programas. Mostrando o meu interesse, ele fez-me uma televisão manual. Explico melhor: no interior de uma caixa de sapatos – ou uma caixa de cartão de maior dimensão – construiu uma estrutura em madeira, onde colocou dois pequenos carretos de aço, que funcionariam como bobinas. Na tampa da caixa, abriu uma ranhura como se fosse um ecrã e cobriu-o com uma mica. Após a entrega do brinquedo, o que tinha eu que fazer? Recortar histórias de banda desenhada dos jornais, colar os episódios na vertical e rodar lentamente um manípulo ligado a uma das bobinas. O único espectador era eu, e eu era igualmente autor, realizador e montador. Por vezes, eu escrevia histórias, que prolonguei por quatro ou cinco anos, até atingir a adolescência e ocupar-me com outras preocupações.

Mas ficou a memória de um artesão e de um criativo de grande sensibilidade, que fez o brinquedo que mais pena me faz por ter desaparecido. Assim como tenho pena de não ter fotografado o seu armário de ferramentas de mecânico, tão organizadas, arrumadas e identificadas estavam. Nas conversas dos últimos anos, chegámos a falar da televisão manual e da importância que trouxe para a minha imaginação, numa altura de muito menos recursos. Estávamos ainda longe da máquina fotográfica digital, do computador e dos blogues. Se fosse possível, quantos filmes eu montaria e colocaria aqui no blogue?

Morreu em 2005. A ele dediquei o meu livro As vozes da rádio (2005). Um dos seus nomes também faz parte do meu.

Durante 1960, a RTP emitiu durante 1285 horas, com 614 empregados no seu quadro. Havia 47372 televisores registados e a pagarem taxa. A facturação publicitária ultrapassou, pela primeira vez, as 100 horas e os 10 mil contos (cerca de 50 mil euros na actual moeda). As visitas dos presidentes Eisenhower (americano) e Kubitschek de Oliveira (brasileiro) foram tema de amplas coberturas em directo (RTP 50 anos de história). Mas teve importância primordial a primeira transmissão directa do estrangeiro: a reportagem do encontro de hóquei em patins Espanha-Portugal, campeonato ganho pelo nosso país (RTP 50 anos de história).
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Nos anos mais recentes, quando os visitávamos, tomávamos chá e comíamos bolachas saborosas que indagávamos onde eram compradas. Por vezes, ele perguntava-me quantos litros de gasolina gastava o automóvel aos cem quilómetros, algo que nunca soube responder. E como ia o emprego, que eu procurava descrever o melhor possível. Depois, falava do seu tempo na tropa, por volta dos anos da II Guerra Mundial, em Cabo Verde. Ao mesmo tempo, havia mágoa e saudade. Para ele, o serviço militar, apesar das dificuldades todas, fora um rito de passagem fundamental, social e até mesmo económico. As conversas foram-se espaçando, eu sei que por minha falta. Havia a desculpa de ir ao cinema, de preparar uma aula, de não se que mais. Um domingo de manhã, cruzámo-nos na rua e fomos tomar um café. Foi um dos últimos momentos – e a mulher dele gostava tanto de café, que podia bebericar a todo o momento com uma grande satisfação. O tempo e a velhice e doença dele afastou-nos até ao irremediável. Mas havia sempre um telefonema de sua casa para a nossa, uma gentileza que ele e a mulher mantiveram até ao fim da vida.

A minha memória vai mais longe. Lembro-me do Verão e do Outono de 1960, tão longínquo que vão. As tardes em Santo Amaro de Oeiras, praia que me parecia sem fim, com uma bola de Berlim e uma Fanta de laranja em garrafa bojuda, tanto açúcar que hoje me parece um escândalo. Ao fim da tarde, ou de manhã, ia à Baixa de metro, apanhando-o na estação da Avenida de Roma. As estações e os combóios eram novos. Fotografias recentes lembraram-me de como brancos e limpos eram os prédios da avenida, agora avassalados por graffitis selvagens. Das fotografias retenho também os raros automóveis a circularem, das senhoras bem vestidas a passearem e a entrarem nas lojas. O centro de Lisboa deslocara-se, por um período, para as avenidas novas. A avenida da Igreja é, ainda hoje, um espelho do movimento de há 40 anos atrás, mas as lojas envelheceram ou fecharam, tornando-se algumas delas manhosas e provincianas, que as luzes de Natal não ajudam, com uma concorrência feroz dos grandes centros comerciais (embora a zona do Chiado ilustre uma transformação notável, como estes últimos dias testemunham).

A televisão emitia há poucos anos. Foi por essa altura que vi os primeiros programas. Mostrando o meu interesse, ele fez-me uma televisão manual. Explico melhor: no interior de uma caixa de sapatos – ou uma caixa de cartão de maior dimensão – construiu uma estrutura em madeira, onde colocou dois pequenos carretos de aço, que funcionariam como bobinas. Na tampa da caixa, abriu uma ranhura como se fosse um ecrã e cobriu-o com uma mica. Após a entrega do brinquedo, o que tinha eu que fazer? Recortar histórias de banda desenhada dos jornais, colar os episódios na vertical e rodar lentamente um manípulo ligado a uma das bobinas. O único espectador era eu, e eu era igualmente autor, realizador e montador. Por vezes, eu escrevia histórias, que prolonguei por quatro ou cinco anos, até atingir a adolescência e ocupar-me com outras preocupações.

Mas ficou a memória de um artesão e de um criativo de grande sensibilidade, que fez o brinquedo que mais pena me faz por ter desaparecido. Assim como tenho pena de não ter fotografado o seu armário de ferramentas de mecânico, tão organizadas, arrumadas e identificadas estavam. Nas conversas dos últimos anos, chegámos a falar da televisão manual e da importância que trouxe para a minha imaginação, numa altura de muito menos recursos. Estávamos ainda longe da máquina fotográfica digital, do computador e dos blogues. Se fosse possível, quantos filmes eu montaria e colocaria aqui no blogue?

Morreu em 2005. A ele dediquei o meu livro As vozes da rádio (2005). Um dos seus nomes também faz parte do meu.

Durante 1960, a RTP emitiu durante 1285 horas, com 614 empregados no seu quadro. Havia 47372 televisores registados e a pagarem taxa. A facturação publicitária ultrapassou, pela primeira vez, as 100 horas e os 10 mil contos (cerca de 50 mil euros na actual moeda). As visitas dos presidentes Eisenhower (americano) e Kubitschek de Oliveira (brasileiro) foram tema de amplas coberturas em directo (RTP 50 anos de história). Mas teve importância primordial a primeira transmissão directa do estrangeiro: a reportagem do encontro de hóquei em patins Espanha-Portugal, campeonato ganho pelo nosso país (RTP 50 anos de história).
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Nos anos mais recentes, quando os visitávamos, tomávamos chá e comíamos bolachas saborosas que indagávamos onde eram compradas. Por vezes, ele perguntava-me quantos litros de gasolina gastava o automóvel aos cem quilómetros, algo que nunca soube responder. E como ia o emprego, que eu procurava descrever o melhor possível. Depois, falava do seu tempo na tropa, por volta dos anos da II Guerra Mundial, em Cabo Verde. Ao mesmo tempo, havia mágoa e saudade. Para ele, o serviço militar, apesar das dificuldades todas, fora um rito de passagem fundamental, social e até mesmo económico. As conversas foram-se espaçando, eu sei que por minha falta. Havia a desculpa de ir ao cinema, de preparar uma aula, de não se que mais. Um domingo de manhã, cruzámo-nos na rua e fomos tomar um café. Foi um dos últimos momentos – e a mulher dele gostava tanto de café, que podia bebericar a todo o momento com uma grande satisfação. O tempo e a velhice e doença dele afastou-nos até ao irremediável. Mas havia sempre um telefonema de sua casa para a nossa, uma gentileza que ele e a mulher mantiveram até ao fim da vida.

A minha memória vai mais longe. Lembro-me do Verão e do Outono de 1960, tão longínquo que vão. As tardes em Santo Amaro de Oeiras, praia que me parecia sem fim, com uma bola de Berlim e uma Fanta de laranja em garrafa bojuda, tanto açúcar que hoje me parece um escândalo. Ao fim da tarde, ou de manhã, ia à Baixa de metro, apanhando-o na estação da Avenida de Roma. As estações e os combóios eram novos. Fotografias recentes lembraram-me de como brancos e limpos eram os prédios da avenida, agora avassalados por graffitis selvagens. Das fotografias retenho também os raros automóveis a circularem, das senhoras bem vestidas a passearem e a entrarem nas lojas. O centro de Lisboa deslocara-se, por um período, para as avenidas novas. A avenida da Igreja é, ainda hoje, um espelho do movimento de há 40 anos atrás, mas as lojas envelheceram ou fecharam, tornando-se algumas delas manhosas e provincianas, que as luzes de Natal não ajudam, com uma concorrência feroz dos grandes centros comerciais (embora a zona do Chiado ilustre uma transformação notável, como estes últimos dias testemunham).

A televisão emitia há poucos anos. Foi por essa altura que vi os primeiros programas. Mostrando o meu interesse, ele fez-me uma televisão manual. Explico melhor: no interior de uma caixa de sapatos – ou uma caixa de cartão de maior dimensão – construiu uma estrutura em madeira, onde colocou dois pequenos carretos de aço, que funcionariam como bobinas. Na tampa da caixa, abriu uma ranhura como se fosse um ecrã e cobriu-o com uma mica. Após a entrega do brinquedo, o que tinha eu que fazer? Recortar histórias de banda desenhada dos jornais, colar os episódios na vertical e rodar lentamente um manípulo ligado a uma das bobinas. O único espectador era eu, e eu era igualmente autor, realizador e montador. Por vezes, eu escrevia histórias, que prolonguei por quatro ou cinco anos, até atingir a adolescência e ocupar-me com outras preocupações.

Mas ficou a memória de um artesão e de um criativo de grande sensibilidade, que fez o brinquedo que mais pena me faz por ter desaparecido. Assim como tenho pena de não ter fotografado o seu armário de ferramentas de mecânico, tão organizadas, arrumadas e identificadas estavam. Nas conversas dos últimos anos, chegámos a falar da televisão manual e da importância que trouxe para a minha imaginação, numa altura de muito menos recursos. Estávamos ainda longe da máquina fotográfica digital, do computador e dos blogues. Se fosse possível, quantos filmes eu montaria e colocaria aqui no blogue?

Morreu em 2005. A ele dediquei o meu livro As vozes da rádio (2005). Um dos seus nomes também faz parte do meu.

Durante 1960, a RTP emitiu durante 1285 horas, com 614 empregados no seu quadro. Havia 47372 televisores registados e a pagarem taxa. A facturação publicitária ultrapassou, pela primeira vez, as 100 horas e os 10 mil contos (cerca de 50 mil euros na actual moeda). As visitas dos presidentes Eisenhower (americano) e Kubitschek de Oliveira (brasileiro) foram tema de amplas coberturas em directo (RTP 50 anos de história). Mas teve importância primordial a primeira transmissão directa do estrangeiro: a reportagem do encontro de hóquei em patins Espanha-Portugal, campeonato ganho pelo nosso país (RTP 50 anos de história).
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A minha memória vai mais longe. Lembro-me do Verão e do Outono de 1960, tão longínquo que vão. As tardes em Santo Amaro de Oeiras, praia que me parecia sem fim, com uma bola de Berlim e uma Fanta de laranja em garrafa bojuda, tanto açúcar que hoje me parece um escândalo. Ao fim da tarde, ou de manhã, ia à Baixa de metro, apanhando-o na estação da Avenida de Roma. As estações e os combóios eram novos. Fotografias recentes lembraram-me de como brancos e limpos eram os prédios da avenida, agora avassalados por graffitis selvagens. Das fotografias retenho também os raros automóveis a circularem, das senhoras bem vestidas a passearem e a entrarem nas lojas. O centro de Lisboa deslocara-se, por um período, para as avenidas novas. A avenida da Igreja é, ainda hoje, um espelho do movimento de há 40 anos atrás, mas as lojas envelheceram ou fecharam, tornando-se algumas delas manhosas e provincianas, que as luzes de Natal não ajudam, com uma concorrência feroz dos grandes centros comerciais (embora a zona do Chiado ilustre uma transformação notável, como estes últimos dias testemunham).

A televisão emitia há poucos anos. Foi por essa altura que vi os primeiros programas. Mostrando o meu interesse, ele fez-me uma televisão manual. Explico melhor: no interior de uma caixa de sapatos – ou uma caixa de cartão de maior dimensão – construiu uma estrutura em madeira, onde colocou dois pequenos carretos de aço, que funcionariam como bobinas. Na tampa da caixa, abriu uma ranhura como se fosse um ecrã e cobriu-o com uma mica. Após a entrega do brinquedo, o que tinha eu que fazer? Recortar histórias de banda desenhada dos jornais, colar os episódios na vertical e rodar lentamente um manípulo ligado a uma das bobinas. O único espectador era eu, e eu era igualmente autor, realizador e montador. Por vezes, eu escrevia histórias, que prolonguei por quatro ou cinco anos, até atingir a adolescência e ocupar-me com outras preocupações.

Mas ficou a memória de um artesão e de um criativo de grande sensibilidade, que fez o brinquedo que mais pena me faz por ter desaparecido. Assim como tenho pena de não ter fotografado o seu armário de ferramentas de mecânico, tão organizadas, arrumadas e identificadas estavam. Nas conversas dos últimos anos, chegámos a falar da televisão manual e da importância que trouxe para a minha imaginação, numa altura de muito menos recursos. Estávamos ainda longe da máquina fotográfica digital, do computador e dos blogues. Se fosse possível, quantos filmes eu montaria e colocaria aqui no blogue?

Morreu em 2005. A ele dediquei o meu livro As vozes da rádio (2005). Um dos seus nomes também faz parte do meu.

Durante 1960, a RTP emitiu durante 1285 horas, com 614 empregados no seu quadro. Havia 47372 televisores registados e a pagarem taxa. A facturação publicitária ultrapassou, pela primeira vez, as 100 horas e os 10 mil contos (cerca de 50 mil euros na actual moeda). As visitas dos presidentes Eisenhower (americano) e Kubitschek de Oliveira (brasileiro) foram tema de amplas coberturas em directo (RTP 50 anos de história). Mas teve importância primordial a primeira transmissão directa do estrangeiro: a reportagem do encontro de hóquei em patins Espanha-Portugal, campeonato ganho pelo nosso país (RTP 50 anos de história).
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Quarta-feira, 30 de Dezembro de 2009

SILÊNCIOS



Nuestros Silencios são dez esculturas em bronze de Rivelino, escultor mexicano, sendo Lisboa a primeira cidade europeia a acolher tais trabalhos. Depois de Lisboa, as esculturas vão passar por Madrid, Bordéus, Bruxelas, Roma, Berlim e Londres.
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