Terça-feira, 10 de Agosto de 2004

...

HERRUMBRE [BARBÁRIE]

Como se pode associar o bailado às indústrias culturais? Pelos elementos de reprodutibilidade técnicas, como Walter Benjamin explicou, e pela cadeia de valor defendida pelos economistas da cultura e das indústrias culturais, caso de David Hesmondhalgh. É pela via dos catálogos que permanecem duradouros e das críticas de arte publicadas nos media que entro no espectáculo levado à cena entre 2 e 7 de Agosto no Gran Teatre del Liceu (Barcelona), pela Compañía Nacional de Danza (de Espanha), dirigida artisticamente por Nacho Duato. Como base, sirvo-me do catálogo e das críticas publicadas nos jornais El Pais (Madrid) e La Vanguardia (Barcelona), editadas em 4 de Agosto sobre a estreia ocorrida na segunda-feira dia 2.

O que diz o catálogo?

Cnd.JPGA violência chega-nos a casa através do uso quotidiano da televisão. Uma imagem dos prisioneiros afegãos na prisão de Guantanamo serviu de leitmotiv para a coreografia de Nacho Duato, estreada em absoluto no dia 2 de Agosto. Por isso, o horror - lê-se no catálogo, em texto assinado por Carmen del Val - faz parte da nossa vida diária. O bailarino e, desde 1990, responsável pela companhia espanhola de dança consideraria que, "cansado de ver imagens na televisão e na imprensa de todo o tipo de violência e tortura", decidiu passar para o bailado essas cenas de horror.

E fez Herrumbre, uma violentíssima peça de 65 minutos, como será raro assistir. Para além das tragédias do Afeganistão e do Iraque, em Duato estão presentes, a montante, os crimes do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e, a juzante, do 11 de Março de 2004 em Madrid. O cenário, centrado numa jaula, em que decorrem constantes actos de tortura e violação, é servido por uma mistura de música para violoncelo electrónico (David Darling, Dark Wood) e uma partitura constituída por ruídos de metal, que recriam ambientes de prisão e de golpes (Sergio Caballero).

O que dizem os jornais?

No El Pais, a crítica é Carmen del Val, a mesma que encontramos no catálogo. Com o título "Belo e surpreendente", a jornalista escreve que o bailarino e coreógrafo procura despertar as consciências face à indiferença que provoca o horror da tortura. Criar uma coreografia que pode chegar a ser formosa sobre um tema tão escabroso como a tortura não era tarefa fácil, e Duato tê-lo-á conseguido. Mais à frente, Carmen del Val escreve: "No final, a tensão converte-se em calor, o que emanou da ovação de um público excitado posto de pé". Para Joaquim Noguero, de La Vanguardia [a imagem abaixo reproduz parcialmente a página deste jornal], a peça de Duato fala-nos "sem ambiguidades da tortura, da dignidade e da indignidade humanas, da memória como homenagem aos mártires dessa ignomínia, recordados numa bela cena final em que o cenário se enche de velas". Mas, ao contrário da jornalista do El Pais, Noguero escreve sobre parte do público que assobiou a peça, embora a maioria aumentasse "nos aplausos e nos bravos para sufocar essa tendência de protesto".

cnd1.JPG

Apesar da beleza do "grupo de mulheres com os seus braços suplicantes asfixiados pela opressão" e do contraste dos torturadores, "agressivo e com olhar desafiante sem um resquício para a piedade", como escreveu Carmen del Val, a verdade é que uma fatia pequena do público não apreciou a peça. Para isso contribuiu o cenário do iraquiano Jaffar Chalabi, que idealizou uma grande estrutura metálica amovível, parecendo-se com a fachada de uma prisão ou a porta de uma jaula. Por vezes, a posição da estrutura e a dança dos bailarinos, apoiada em iluminação convincente, deixava os espectadores tão aterrados como se vivessem fielmente a situação. Mas, sabe-se, há, em qualquer situação, fantasmas; nem toda a gente acha que a guerra do Iraque ou a prisão em Guantanamo merecem críticas de maior, porque o ponto de partida foi a injustiça. E o bailado é uma arte da beleza e da harmonia, para além da crueldade humana. As duas críticas jornalísticas desiguais face a um mesmo espectáculo dão conta das múltiplas leituras que fazemos do mundo. Logo: falar em objectividade no jornalismo levanta obstáculos.
publicado por industrias-culturais às 08:43
link | comentar | favorito

...

HERRUMBRE [BARBÁRIE]

Como se pode associar o bailado às indústrias culturais? Pelos elementos de reprodutibilidade técnicas, como Walter Benjamin explicou, e pela cadeia de valor defendida pelos economistas da cultura e das indústrias culturais, caso de David Hesmondhalgh. É pela via dos catálogos que permanecem duradouros e das críticas de arte publicadas nos media que entro no espectáculo levado à cena entre 2 e 7 de Agosto no Gran Teatre del Liceu (Barcelona), pela Compañía Nacional de Danza (de Espanha), dirigida artisticamente por Nacho Duato. Como base, sirvo-me do catálogo e das críticas publicadas nos jornais El Pais (Madrid) e La Vanguardia (Barcelona), editadas em 4 de Agosto sobre a estreia ocorrida na segunda-feira dia 2.

O que diz o catálogo?

Cnd.JPGA violência chega-nos a casa através do uso quotidiano da televisão. Uma imagem dos prisioneiros afegãos na prisão de Guantanamo serviu de leitmotiv para a coreografia de Nacho Duato, estreada em absoluto no dia 2 de Agosto. Por isso, o horror - lê-se no catálogo, em texto assinado por Carmen del Val - faz parte da nossa vida diária. O bailarino e, desde 1990, responsável pela companhia espanhola de dança consideraria que, "cansado de ver imagens na televisão e na imprensa de todo o tipo de violência e tortura", decidiu passar para o bailado essas cenas de horror.

E fez Herrumbre, uma violentíssima peça de 65 minutos, como será raro assistir. Para além das tragédias do Afeganistão e do Iraque, em Duato estão presentes, a montante, os crimes do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e, a juzante, do 11 de Março de 2004 em Madrid. O cenário, centrado numa jaula, em que decorrem constantes actos de tortura e violação, é servido por uma mistura de música para violoncelo electrónico (David Darling, Dark Wood) e uma partitura constituída por ruídos de metal, que recriam ambientes de prisão e de golpes (Sergio Caballero).

O que dizem os jornais?

No El Pais, a crítica é Carmen del Val, a mesma que encontramos no catálogo. Com o título "Belo e surpreendente", a jornalista escreve que o bailarino e coreógrafo procura despertar as consciências face à indiferença que provoca o horror da tortura. Criar uma coreografia que pode chegar a ser formosa sobre um tema tão escabroso como a tortura não era tarefa fácil, e Duato tê-lo-á conseguido. Mais à frente, Carmen del Val escreve: "No final, a tensão converte-se em calor, o que emanou da ovação de um público excitado posto de pé". Para Joaquim Noguero, de La Vanguardia [a imagem abaixo reproduz parcialmente a página deste jornal], a peça de Duato fala-nos "sem ambiguidades da tortura, da dignidade e da indignidade humanas, da memória como homenagem aos mártires dessa ignomínia, recordados numa bela cena final em que o cenário se enche de velas". Mas, ao contrário da jornalista do El Pais, Noguero escreve sobre parte do público que assobiou a peça, embora a maioria aumentasse "nos aplausos e nos bravos para sufocar essa tendência de protesto".

cnd1.JPG

Apesar da beleza do "grupo de mulheres com os seus braços suplicantes asfixiados pela opressão" e do contraste dos torturadores, "agressivo e com olhar desafiante sem um resquício para a piedade", como escreveu Carmen del Val, a verdade é que uma fatia pequena do público não apreciou a peça. Para isso contribuiu o cenário do iraquiano Jaffar Chalabi, que idealizou uma grande estrutura metálica amovível, parecendo-se com a fachada de uma prisão ou a porta de uma jaula. Por vezes, a posição da estrutura e a dança dos bailarinos, apoiada em iluminação convincente, deixava os espectadores tão aterrados como se vivessem fielmente a situação. Mas, sabe-se, há, em qualquer situação, fantasmas; nem toda a gente acha que a guerra do Iraque ou a prisão em Guantanamo merecem críticas de maior, porque o ponto de partida foi a injustiça. E o bailado é uma arte da beleza e da harmonia, para além da crueldade humana. As duas críticas jornalísticas desiguais face a um mesmo espectáculo dão conta das múltiplas leituras que fazemos do mundo. Logo: falar em objectividade no jornalismo levanta obstáculos.
publicado por industrias-culturais às 08:43
link | comentar | favorito

...

HERRUMBRE [BARBÁRIE]

Como se pode associar o bailado às indústrias culturais? Pelos elementos de reprodutibilidade técnicas, como Walter Benjamin explicou, e pela cadeia de valor defendida pelos economistas da cultura e das indústrias culturais, caso de David Hesmondhalgh. É pela via dos catálogos que permanecem duradouros e das críticas de arte publicadas nos media que entro no espectáculo levado à cena entre 2 e 7 de Agosto no Gran Teatre del Liceu (Barcelona), pela Compañía Nacional de Danza (de Espanha), dirigida artisticamente por Nacho Duato. Como base, sirvo-me do catálogo e das críticas publicadas nos jornais El Pais (Madrid) e La Vanguardia (Barcelona), editadas em 4 de Agosto sobre a estreia ocorrida na segunda-feira dia 2.

O que diz o catálogo?

Cnd.JPGA violência chega-nos a casa através do uso quotidiano da televisão. Uma imagem dos prisioneiros afegãos na prisão de Guantanamo serviu de leitmotiv para a coreografia de Nacho Duato, estreada em absoluto no dia 2 de Agosto. Por isso, o horror - lê-se no catálogo, em texto assinado por Carmen del Val - faz parte da nossa vida diária. O bailarino e, desde 1990, responsável pela companhia espanhola de dança consideraria que, "cansado de ver imagens na televisão e na imprensa de todo o tipo de violência e tortura", decidiu passar para o bailado essas cenas de horror.

E fez Herrumbre, uma violentíssima peça de 65 minutos, como será raro assistir. Para além das tragédias do Afeganistão e do Iraque, em Duato estão presentes, a montante, os crimes do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e, a juzante, do 11 de Março de 2004 em Madrid. O cenário, centrado numa jaula, em que decorrem constantes actos de tortura e violação, é servido por uma mistura de música para violoncelo electrónico (David Darling, Dark Wood) e uma partitura constituída por ruídos de metal, que recriam ambientes de prisão e de golpes (Sergio Caballero).

O que dizem os jornais?

No El Pais, a crítica é Carmen del Val, a mesma que encontramos no catálogo. Com o título "Belo e surpreendente", a jornalista escreve que o bailarino e coreógrafo procura despertar as consciências face à indiferença que provoca o horror da tortura. Criar uma coreografia que pode chegar a ser formosa sobre um tema tão escabroso como a tortura não era tarefa fácil, e Duato tê-lo-á conseguido. Mais à frente, Carmen del Val escreve: "No final, a tensão converte-se em calor, o que emanou da ovação de um público excitado posto de pé". Para Joaquim Noguero, de La Vanguardia [a imagem abaixo reproduz parcialmente a página deste jornal], a peça de Duato fala-nos "sem ambiguidades da tortura, da dignidade e da indignidade humanas, da memória como homenagem aos mártires dessa ignomínia, recordados numa bela cena final em que o cenário se enche de velas". Mas, ao contrário da jornalista do El Pais, Noguero escreve sobre parte do público que assobiou a peça, embora a maioria aumentasse "nos aplausos e nos bravos para sufocar essa tendência de protesto".

cnd1.JPG

Apesar da beleza do "grupo de mulheres com os seus braços suplicantes asfixiados pela opressão" e do contraste dos torturadores, "agressivo e com olhar desafiante sem um resquício para a piedade", como escreveu Carmen del Val, a verdade é que uma fatia pequena do público não apreciou a peça. Para isso contribuiu o cenário do iraquiano Jaffar Chalabi, que idealizou uma grande estrutura metálica amovível, parecendo-se com a fachada de uma prisão ou a porta de uma jaula. Por vezes, a posição da estrutura e a dança dos bailarinos, apoiada em iluminação convincente, deixava os espectadores tão aterrados como se vivessem fielmente a situação. Mas, sabe-se, há, em qualquer situação, fantasmas; nem toda a gente acha que a guerra do Iraque ou a prisão em Guantanamo merecem críticas de maior, porque o ponto de partida foi a injustiça. E o bailado é uma arte da beleza e da harmonia, para além da crueldade humana. As duas críticas jornalísticas desiguais face a um mesmo espectáculo dão conta das múltiplas leituras que fazemos do mundo. Logo: falar em objectividade no jornalismo levanta obstáculos.
publicado por industrias-culturais às 08:43
link | comentar | favorito

...

HERRUMBRE [BARBÁRIE]

Como se pode associar o bailado às indústrias culturais? Pelos elementos de reprodutibilidade técnicas, como Walter Benjamin explicou, e pela cadeia de valor defendida pelos economistas da cultura e das indústrias culturais, caso de David Hesmondhalgh. É pela via dos catálogos que permanecem duradouros e das críticas de arte publicadas nos media que entro no espectáculo levado à cena entre 2 e 7 de Agosto no Gran Teatre del Liceu (Barcelona), pela Compañía Nacional de Danza (de Espanha), dirigida artisticamente por Nacho Duato. Como base, sirvo-me do catálogo e das críticas publicadas nos jornais El Pais (Madrid) e La Vanguardia (Barcelona), editadas em 4 de Agosto sobre a estreia ocorrida na segunda-feira dia 2.

O que diz o catálogo?

Cnd.JPGA violência chega-nos a casa através do uso quotidiano da televisão. Uma imagem dos prisioneiros afegãos na prisão de Guantanamo serviu de leitmotiv para a coreografia de Nacho Duato, estreada em absoluto no dia 2 de Agosto. Por isso, o horror - lê-se no catálogo, em texto assinado por Carmen del Val - faz parte da nossa vida diária. O bailarino e, desde 1990, responsável pela companhia espanhola de dança consideraria que, "cansado de ver imagens na televisão e na imprensa de todo o tipo de violência e tortura", decidiu passar para o bailado essas cenas de horror.

E fez Herrumbre, uma violentíssima peça de 65 minutos, como será raro assistir. Para além das tragédias do Afeganistão e do Iraque, em Duato estão presentes, a montante, os crimes do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e, a juzante, do 11 de Março de 2004 em Madrid. O cenário, centrado numa jaula, em que decorrem constantes actos de tortura e violação, é servido por uma mistura de música para violoncelo electrónico (David Darling, Dark Wood) e uma partitura constituída por ruídos de metal, que recriam ambientes de prisão e de golpes (Sergio Caballero).

O que dizem os jornais?

No El Pais, a crítica é Carmen del Val, a mesma que encontramos no catálogo. Com o título "Belo e surpreendente", a jornalista escreve que o bailarino e coreógrafo procura despertar as consciências face à indiferença que provoca o horror da tortura. Criar uma coreografia que pode chegar a ser formosa sobre um tema tão escabroso como a tortura não era tarefa fácil, e Duato tê-lo-á conseguido. Mais à frente, Carmen del Val escreve: "No final, a tensão converte-se em calor, o que emanou da ovação de um público excitado posto de pé". Para Joaquim Noguero, de La Vanguardia [a imagem abaixo reproduz parcialmente a página deste jornal], a peça de Duato fala-nos "sem ambiguidades da tortura, da dignidade e da indignidade humanas, da memória como homenagem aos mártires dessa ignomínia, recordados numa bela cena final em que o cenário se enche de velas". Mas, ao contrário da jornalista do El Pais, Noguero escreve sobre parte do público que assobiou a peça, embora a maioria aumentasse "nos aplausos e nos bravos para sufocar essa tendência de protesto".

cnd1.JPG

Apesar da beleza do "grupo de mulheres com os seus braços suplicantes asfixiados pela opressão" e do contraste dos torturadores, "agressivo e com olhar desafiante sem um resquício para a piedade", como escreveu Carmen del Val, a verdade é que uma fatia pequena do público não apreciou a peça. Para isso contribuiu o cenário do iraquiano Jaffar Chalabi, que idealizou uma grande estrutura metálica amovível, parecendo-se com a fachada de uma prisão ou a porta de uma jaula. Por vezes, a posição da estrutura e a dança dos bailarinos, apoiada em iluminação convincente, deixava os espectadores tão aterrados como se vivessem fielmente a situação. Mas, sabe-se, há, em qualquer situação, fantasmas; nem toda a gente acha que a guerra do Iraque ou a prisão em Guantanamo merecem críticas de maior, porque o ponto de partida foi a injustiça. E o bailado é uma arte da beleza e da harmonia, para além da crueldade humana. As duas críticas jornalísticas desiguais face a um mesmo espectáculo dão conta das múltiplas leituras que fazemos do mundo. Logo: falar em objectividade no jornalismo levanta obstáculos.
publicado por industrias-culturais às 08:43
link | comentar | favorito

...

HERRUMBRE [BARBÁRIE]

Como se pode associar o bailado às indústrias culturais? Pelos elementos de reprodutibilidade técnicas, como Walter Benjamin explicou, e pela cadeia de valor defendida pelos economistas da cultura e das indústrias culturais, caso de David Hesmondhalgh. É pela via dos catálogos que permanecem duradouros e das críticas de arte publicadas nos media que entro no espectáculo levado à cena entre 2 e 7 de Agosto no Gran Teatre del Liceu (Barcelona), pela Compañía Nacional de Danza (de Espanha), dirigida artisticamente por Nacho Duato. Como base, sirvo-me do catálogo e das críticas publicadas nos jornais El Pais (Madrid) e La Vanguardia (Barcelona), editadas em 4 de Agosto sobre a estreia ocorrida na segunda-feira dia 2.

O que diz o catálogo?

Cnd.JPGA violência chega-nos a casa através do uso quotidiano da televisão. Uma imagem dos prisioneiros afegãos na prisão de Guantanamo serviu de leitmotiv para a coreografia de Nacho Duato, estreada em absoluto no dia 2 de Agosto. Por isso, o horror - lê-se no catálogo, em texto assinado por Carmen del Val - faz parte da nossa vida diária. O bailarino e, desde 1990, responsável pela companhia espanhola de dança consideraria que, "cansado de ver imagens na televisão e na imprensa de todo o tipo de violência e tortura", decidiu passar para o bailado essas cenas de horror.


E fez Herrumbre, uma violentíssima peça de 65 minutos, como será raro assistir. Para além das tragédias do Afeganistão e do Iraque, em Duato estão presentes, a montante, os crimes do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e, a juzante, do 11 de Março de 2004 em Madrid. O cenário, centrado numa jaula, em que decorrem constantes actos de tortura e violação, é servido por uma mistura de música para violoncelo electrónico (David Darling, Dark Wood) e uma partitura constituída por ruídos de metal, que recriam ambientes de prisão e de golpes (Sergio Caballero).


O que dizem os jornais?

No El Pais, a crítica é Carmen del Val, a mesma que encontramos no catálogo. Com o título "Belo e surpreendente", a jornalista escreve que o bailarino e coreógrafo procura despertar as consciências face à indiferença que provoca o horror da tortura. Criar uma coreografia que pode chegar a ser formosa sobre um tema tão escabroso como a tortura não era tarefa fácil, e Duato tê-lo-á conseguido. Mais à frente, Carmen del Val escreve: "No final, a tensão converte-se em calor, o que emanou da ovação de um público excitado posto de pé". Para Joaquim Noguero, de La Vanguardia [a imagem abaixo reproduz parcialmente a página deste jornal], a peça de Duato fala-nos "sem ambiguidades da tortura, da dignidade e da indignidade humanas, da memória como homenagem aos mártires dessa ignomínia, recordados numa bela cena final em que o cenário se enche de velas". Mas, ao contrário da jornalista do El Pais, Noguero escreve sobre parte do público que assobiou a peça, embora a maioria aumentasse "nos aplausos e nos bravos para sufocar essa tendência de protesto".


cnd1.JPG

Apesar da beleza do "grupo de mulheres com os seus braços suplicantes asfixiados pela opressão" e do contraste dos torturadores, "agressivo e com olhar desafiante sem um resquício para a piedade", como escreveu Carmen del Val, a verdade é que uma fatia pequena do público não apreciou a peça. Para isso contribuiu o cenário do iraquiano Jaffar Chalabi, que idealizou uma grande estrutura metálica amovível, parecendo-se com a fachada de uma prisão ou a porta de uma jaula. Por vezes, a posição da estrutura e a dança dos bailarinos, apoiada em iluminação convincente, deixava os espectadores tão aterrados como se vivessem fielmente a situação. Mas, sabe-se, há, em qualquer situação, fantasmas; nem toda a gente acha que a guerra do Iraque ou a prisão em Guantanamo merecem críticas de maior, porque o ponto de partida foi a injustiça. E o bailado é uma arte da beleza e da harmonia, para além da crueldade humana. As duas críticas jornalísticas desiguais face a um mesmo espectáculo dão conta das múltiplas leituras que fazemos do mundo. Logo: falar em objectividade no jornalismo levanta obstáculos.
publicado por industrias-culturais às 08:43
link | comentar | favorito
Segunda-feira, 9 de Agosto de 2004

...

EL ROSTRE AMB QUÈ EUROPA MIRA

"A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando./O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal" (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Ática, 1979, p. 21).

revista.JPG O rosto com que a Europa olha é exactamente o mote do dossier da revista L'Avenç [O Progresso], editada em Barcelona, no seu número de Julho/Agosto de 2004: Portugal, o rosto da Europa. Escrita em catalão, a revista de história e cultura dedica 26 páginas a Portugal e à influência da nossa cultura naquela zona mediterrânica.

Os motivos são evidentes: a língua e a independência de Portugal face a Espanha (leia-se Castela) e o presente crescimento económico e cultural de Barcelona, que fazem sonhar um caminho semelhante. A simbologia traçada pelo primeiro artigo, de autoria de Víctor Martínez-Gil, professor da Universitat Autónoma de Barcelona e coordenador do dossier, aponta em tal sentido: "Na iconografia tradicional, a Europa é representada com uma figura feminina, dama ou rainha, em que a cabeça era a Hispânia". Trinta anos depois de 1974, Portugal, segundo o académico, tornou-se um país moderno na economia e na cultura. E, como escreve outro articulista, Josep Sánchez Cervelló, professor da Universitat Rovira i Virgili, se Portugal perdeu a carga colonialista e o antiespanholismo que caracterizaram o país nos últimos séculos, ganhou o respeito da comunidade internacional, pelo seu cosmopolitismo e referencial cultural. As traduções para catalão de livros de Lobo Antunes, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Luísa Costa Gomes são um indicativo dessa admiração de Barcelona por Portugal.

Independência política?

Parece que a Catalunha vive um momento de viragem. Há edições de livros que saem primeiro em catalão e depois em castelhano, as estações de rádio locais privilegiam a língua catalã, as lojas, as ementas dos restaurantes, os transportes públicos e os museus têm indicações em catalão (por vezes, seguido do castelhano e do inglês).

A publicação que refiro nesta mensagem não é estranha a tal movimento. Os textos são bem escritos, apesar de se fixarem num momento histórico preciso, o século XVII, quando Portugal recuperou a independência mas em que um movimento próximo de emancipação foi sufocado na Catalunha (exactamente em 1640, como explica Manuel de Seabra, português que vive na Catalunha e é escritor e tradutor. Aliás, Seabra refere que a capital natural da Península Ibérica no séc. XVII seria Lisboa, mas Sevilha tinha um peso igualmente forte, e a velha rivalidade de Portugal com Castilla-León não permitiria essa transferência). As marcas da guerra civil de 1936-1939 também estão visíveis na cultura de Barcelona, mas não na revista. O mote fulcral do dossier é, pois, a relação entre independência e união (ibérica).

Um traço que não posso deixar de sublinhar é o de alguma precariedade intelectual com que aparecem dois textos, um de responsabilidade de Helena Tanqueiro, directora do Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões de Barcelona, e outro assinado por André Murraças, autor teatral. O trabalho de Murraças é muito discutível: fala de teatro, mas insere duas imagens de filmes. Sobre a A Barraca escreve: "companhia com um tom irónico e assumidamente político, acompanha o quotidiano português" (apenas três linhas quando comparadas com as 20 linhas a seu próprio respeito! Mesmo a Cornucópia merece apenas 11 linhas). O texto de Tanqueiro destaca a linguística e a filologia, como seria de esperar a quem pertence a um centro de língua, mas não haverá outros motivos de relevo, nomeadamente a cultura, as artes cénicas e visuais? Isto sem falar nas indústrias culturais, no cinema e na televisão.

Claro que se compreende a perspectiva dos professores catalães - a de destacarem o farol de Portugal como pequeno país que se emancipou de Espanha. Mas não se aceita bem o papel do Instituto Camões, que poderia ter melhor "municiado" os responsáveis da revista com informações sobre o Portugal cosmopolita e moderno. É que não basta trazer na capa um fragmento da obra de Almada Negreiros.

Mais informações sobre a revista podem ser encontradas no sítio de L'Avenç.
publicado por industrias-culturais às 08:47
link | comentar | favorito

...

EL ROSTRE AMB QUÈ EUROPA MIRA

"A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando./O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal" (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Ática, 1979, p. 21).

revista.JPG O rosto com que a Europa olha é exactamente o mote do dossier da revista L'Avenç [O Progresso], editada em Barcelona, no seu número de Julho/Agosto de 2004: Portugal, o rosto da Europa. Escrita em catalão, a revista de história e cultura dedica 26 páginas a Portugal e à influência da nossa cultura naquela zona mediterrânica.

Os motivos são evidentes: a língua e a independência de Portugal face a Espanha (leia-se Castela) e o presente crescimento económico e cultural de Barcelona, que fazem sonhar um caminho semelhante. A simbologia traçada pelo primeiro artigo, de autoria de Víctor Martínez-Gil, professor da Universitat Autónoma de Barcelona e coordenador do dossier, aponta em tal sentido: "Na iconografia tradicional, a Europa é representada com uma figura feminina, dama ou rainha, em que a cabeça era a Hispânia". Trinta anos depois de 1974, Portugal, segundo o académico, tornou-se um país moderno na economia e na cultura. E, como escreve outro articulista, Josep Sánchez Cervelló, professor da Universitat Rovira i Virgili, se Portugal perdeu a carga colonialista e o antiespanholismo que caracterizaram o país nos últimos séculos, ganhou o respeito da comunidade internacional, pelo seu cosmopolitismo e referencial cultural. As traduções para catalão de livros de Lobo Antunes, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Luísa Costa Gomes são um indicativo dessa admiração de Barcelona por Portugal.

Independência política?

Parece que a Catalunha vive um momento de viragem. Há edições de livros que saem primeiro em catalão e depois em castelhano, as estações de rádio locais privilegiam a língua catalã, as lojas, as ementas dos restaurantes, os transportes públicos e os museus têm indicações em catalão (por vezes, seguido do castelhano e do inglês).

A publicação que refiro nesta mensagem não é estranha a tal movimento. Os textos são bem escritos, apesar de se fixarem num momento histórico preciso, o século XVII, quando Portugal recuperou a independência mas em que um movimento próximo de emancipação foi sufocado na Catalunha (exactamente em 1640, como explica Manuel de Seabra, português que vive na Catalunha e é escritor e tradutor. Aliás, Seabra refere que a capital natural da Península Ibérica no séc. XVII seria Lisboa, mas Sevilha tinha um peso igualmente forte, e a velha rivalidade de Portugal com Castilla-León não permitiria essa transferência). As marcas da guerra civil de 1936-1939 também estão visíveis na cultura de Barcelona, mas não na revista. O mote fulcral do dossier é, pois, a relação entre independência e união (ibérica).

Um traço que não posso deixar de sublinhar é o de alguma precariedade intelectual com que aparecem dois textos, um de responsabilidade de Helena Tanqueiro, directora do Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões de Barcelona, e outro assinado por André Murraças, autor teatral. O trabalho de Murraças é muito discutível: fala de teatro, mas insere duas imagens de filmes. Sobre a A Barraca escreve: "companhia com um tom irónico e assumidamente político, acompanha o quotidiano português" (apenas três linhas quando comparadas com as 20 linhas a seu próprio respeito! Mesmo a Cornucópia merece apenas 11 linhas). O texto de Tanqueiro destaca a linguística e a filologia, como seria de esperar a quem pertence a um centro de língua, mas não haverá outros motivos de relevo, nomeadamente a cultura, as artes cénicas e visuais? Isto sem falar nas indústrias culturais, no cinema e na televisão.

Claro que se compreende a perspectiva dos professores catalães - a de destacarem o farol de Portugal como pequeno país que se emancipou de Espanha. Mas não se aceita bem o papel do Instituto Camões, que poderia ter melhor "municiado" os responsáveis da revista com informações sobre o Portugal cosmopolita e moderno. É que não basta trazer na capa um fragmento da obra de Almada Negreiros.

Mais informações sobre a revista podem ser encontradas no sítio de L'Avenç.
publicado por industrias-culturais às 08:47
link | comentar | favorito

...

EL ROSTRE AMB QUÈ EUROPA MIRA

"A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando./O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal" (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Ática, 1979, p. 21).

revista.JPG O rosto com que a Europa olha é exactamente o mote do dossier da revista L'Avenç [O Progresso], editada em Barcelona, no seu número de Julho/Agosto de 2004: Portugal, o rosto da Europa. Escrita em catalão, a revista de história e cultura dedica 26 páginas a Portugal e à influência da nossa cultura naquela zona mediterrânica.

Os motivos são evidentes: a língua e a independência de Portugal face a Espanha (leia-se Castela) e o presente crescimento económico e cultural de Barcelona, que fazem sonhar um caminho semelhante. A simbologia traçada pelo primeiro artigo, de autoria de Víctor Martínez-Gil, professor da Universitat Autónoma de Barcelona e coordenador do dossier, aponta em tal sentido: "Na iconografia tradicional, a Europa é representada com uma figura feminina, dama ou rainha, em que a cabeça era a Hispânia". Trinta anos depois de 1974, Portugal, segundo o académico, tornou-se um país moderno na economia e na cultura. E, como escreve outro articulista, Josep Sánchez Cervelló, professor da Universitat Rovira i Virgili, se Portugal perdeu a carga colonialista e o antiespanholismo que caracterizaram o país nos últimos séculos, ganhou o respeito da comunidade internacional, pelo seu cosmopolitismo e referencial cultural. As traduções para catalão de livros de Lobo Antunes, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Luísa Costa Gomes são um indicativo dessa admiração de Barcelona por Portugal.

Independência política?

Parece que a Catalunha vive um momento de viragem. Há edições de livros que saem primeiro em catalão e depois em castelhano, as estações de rádio locais privilegiam a língua catalã, as lojas, as ementas dos restaurantes, os transportes públicos e os museus têm indicações em catalão (por vezes, seguido do castelhano e do inglês).

A publicação que refiro nesta mensagem não é estranha a tal movimento. Os textos são bem escritos, apesar de se fixarem num momento histórico preciso, o século XVII, quando Portugal recuperou a independência mas em que um movimento próximo de emancipação foi sufocado na Catalunha (exactamente em 1640, como explica Manuel de Seabra, português que vive na Catalunha e é escritor e tradutor. Aliás, Seabra refere que a capital natural da Península Ibérica no séc. XVII seria Lisboa, mas Sevilha tinha um peso igualmente forte, e a velha rivalidade de Portugal com Castilla-León não permitiria essa transferência). As marcas da guerra civil de 1936-1939 também estão visíveis na cultura de Barcelona, mas não na revista. O mote fulcral do dossier é, pois, a relação entre independência e união (ibérica).

Um traço que não posso deixar de sublinhar é o de alguma precariedade intelectual com que aparecem dois textos, um de responsabilidade de Helena Tanqueiro, directora do Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões de Barcelona, e outro assinado por André Murraças, autor teatral. O trabalho de Murraças é muito discutível: fala de teatro, mas insere duas imagens de filmes. Sobre a A Barraca escreve: "companhia com um tom irónico e assumidamente político, acompanha o quotidiano português" (apenas três linhas quando comparadas com as 20 linhas a seu próprio respeito! Mesmo a Cornucópia merece apenas 11 linhas). O texto de Tanqueiro destaca a linguística e a filologia, como seria de esperar a quem pertence a um centro de língua, mas não haverá outros motivos de relevo, nomeadamente a cultura, as artes cénicas e visuais? Isto sem falar nas indústrias culturais, no cinema e na televisão.

Claro que se compreende a perspectiva dos professores catalães - a de destacarem o farol de Portugal como pequeno país que se emancipou de Espanha. Mas não se aceita bem o papel do Instituto Camões, que poderia ter melhor "municiado" os responsáveis da revista com informações sobre o Portugal cosmopolita e moderno. É que não basta trazer na capa um fragmento da obra de Almada Negreiros.

Mais informações sobre a revista podem ser encontradas no sítio de L'Avenç.
publicado por industrias-culturais às 08:47
link | comentar | favorito

...

EL ROSTRE AMB QUÈ EUROPA MIRA

"A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando./O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal" (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Ática, 1979, p. 21).

revista.JPG O rosto com que a Europa olha é exactamente o mote do dossier da revista L'Avenç [O Progresso], editada em Barcelona, no seu número de Julho/Agosto de 2004: Portugal, o rosto da Europa. Escrita em catalão, a revista de história e cultura dedica 26 páginas a Portugal e à influência da nossa cultura naquela zona mediterrânica.

Os motivos são evidentes: a língua e a independência de Portugal face a Espanha (leia-se Castela) e o presente crescimento económico e cultural de Barcelona, que fazem sonhar um caminho semelhante. A simbologia traçada pelo primeiro artigo, de autoria de Víctor Martínez-Gil, professor da Universitat Autónoma de Barcelona e coordenador do dossier, aponta em tal sentido: "Na iconografia tradicional, a Europa é representada com uma figura feminina, dama ou rainha, em que a cabeça era a Hispânia". Trinta anos depois de 1974, Portugal, segundo o académico, tornou-se um país moderno na economia e na cultura. E, como escreve outro articulista, Josep Sánchez Cervelló, professor da Universitat Rovira i Virgili, se Portugal perdeu a carga colonialista e o antiespanholismo que caracterizaram o país nos últimos séculos, ganhou o respeito da comunidade internacional, pelo seu cosmopolitismo e referencial cultural. As traduções para catalão de livros de Lobo Antunes, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Luísa Costa Gomes são um indicativo dessa admiração de Barcelona por Portugal.

Independência política?

Parece que a Catalunha vive um momento de viragem. Há edições de livros que saem primeiro em catalão e depois em castelhano, as estações de rádio locais privilegiam a língua catalã, as lojas, as ementas dos restaurantes, os transportes públicos e os museus têm indicações em catalão (por vezes, seguido do castelhano e do inglês).

A publicação que refiro nesta mensagem não é estranha a tal movimento. Os textos são bem escritos, apesar de se fixarem num momento histórico preciso, o século XVII, quando Portugal recuperou a independência mas em que um movimento próximo de emancipação foi sufocado na Catalunha (exactamente em 1640, como explica Manuel de Seabra, português que vive na Catalunha e é escritor e tradutor. Aliás, Seabra refere que a capital natural da Península Ibérica no séc. XVII seria Lisboa, mas Sevilha tinha um peso igualmente forte, e a velha rivalidade de Portugal com Castilla-León não permitiria essa transferência). As marcas da guerra civil de 1936-1939 também estão visíveis na cultura de Barcelona, mas não na revista. O mote fulcral do dossier é, pois, a relação entre independência e união (ibérica).

Um traço que não posso deixar de sublinhar é o de alguma precariedade intelectual com que aparecem dois textos, um de responsabilidade de Helena Tanqueiro, directora do Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões de Barcelona, e outro assinado por André Murraças, autor teatral. O trabalho de Murraças é muito discutível: fala de teatro, mas insere duas imagens de filmes. Sobre a A Barraca escreve: "companhia com um tom irónico e assumidamente político, acompanha o quotidiano português" (apenas três linhas quando comparadas com as 20 linhas a seu próprio respeito! Mesmo a Cornucópia merece apenas 11 linhas). O texto de Tanqueiro destaca a linguística e a filologia, como seria de esperar a quem pertence a um centro de língua, mas não haverá outros motivos de relevo, nomeadamente a cultura, as artes cénicas e visuais? Isto sem falar nas indústrias culturais, no cinema e na televisão.

Claro que se compreende a perspectiva dos professores catalães - a de destacarem o farol de Portugal como pequeno país que se emancipou de Espanha. Mas não se aceita bem o papel do Instituto Camões, que poderia ter melhor "municiado" os responsáveis da revista com informações sobre o Portugal cosmopolita e moderno. É que não basta trazer na capa um fragmento da obra de Almada Negreiros.

Mais informações sobre a revista podem ser encontradas no sítio de L'Avenç.
publicado por industrias-culturais às 08:47
link | comentar | favorito

...

EL ROSTRE AMB QUÈ EUROPA MIRA

"A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando./O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal" (Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Ática, 1979, p. 21).


revista.JPG O rosto com que a Europa olha é exactamente o mote do dossier da revista L'Avenç [O Progresso], editada em Barcelona, no seu número de Julho/Agosto de 2004: Portugal, o rosto da Europa. Escrita em catalão, a revista de história e cultura dedica 26 páginas a Portugal e à influência da nossa cultura naquela zona mediterrânica.


Os motivos são evidentes: a língua e a independência de Portugal face a Espanha (leia-se Castela) e o presente crescimento económico e cultural de Barcelona, que fazem sonhar um caminho semelhante. A simbologia traçada pelo primeiro artigo, de autoria de Víctor Martínez-Gil, professor da Universitat Autónoma de Barcelona e coordenador do dossier, aponta em tal sentido: "Na iconografia tradicional, a Europa é representada com uma figura feminina, dama ou rainha, em que a cabeça era a Hispânia". Trinta anos depois de 1974, Portugal, segundo o académico, tornou-se um país moderno na economia e na cultura. E, como escreve outro articulista, Josep Sánchez Cervelló, professor da Universitat Rovira i Virgili, se Portugal perdeu a carga colonialista e o antiespanholismo que caracterizaram o país nos últimos séculos, ganhou o respeito da comunidade internacional, pelo seu cosmopolitismo e referencial cultural. As traduções para catalão de livros de Lobo Antunes, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Luísa Costa Gomes são um indicativo dessa admiração de Barcelona por Portugal.


Independência política?

Parece que a Catalunha vive um momento de viragem. Há edições de livros que saem primeiro em catalão e depois em castelhano, as estações de rádio locais privilegiam a língua catalã, as lojas, as ementas dos restaurantes, os transportes públicos e os museus têm indicações em catalão (por vezes, seguido do castelhano e do inglês).


A publicação que refiro nesta mensagem não é estranha a tal movimento. Os textos são bem escritos, apesar de se fixarem num momento histórico preciso, o século XVII, quando Portugal recuperou a independência mas em que um movimento próximo de emancipação foi sufocado na Catalunha (exactamente em 1640, como explica Manuel de Seabra, português que vive na Catalunha e é escritor e tradutor. Aliás, Seabra refere que a capital natural da Península Ibérica no séc. XVII seria Lisboa, mas Sevilha tinha um peso igualmente forte, e a velha rivalidade de Portugal com Castilla-León não permitiria essa transferência). As marcas da guerra civil de 1936-1939 também estão visíveis na cultura de Barcelona, mas não na revista. O mote fulcral do dossier é, pois, a relação entre independência e união (ibérica).


Um traço que não posso deixar de sublinhar é o de alguma precariedade intelectual com que aparecem dois textos, um de responsabilidade de Helena Tanqueiro, directora do Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões de Barcelona, e outro assinado por André Murraças, autor teatral. O trabalho de Murraças é muito discutível: fala de teatro, mas insere duas imagens de filmes. Sobre a A Barraca escreve: "companhia com um tom irónico e assumidamente político, acompanha o quotidiano português" (apenas três linhas quando comparadas com as 20 linhas a seu próprio respeito! Mesmo a Cornucópia merece apenas 11 linhas). O texto de Tanqueiro destaca a linguística e a filologia, como seria de esperar a quem pertence a um centro de língua, mas não haverá outros motivos de relevo, nomeadamente a cultura, as artes cénicas e visuais? Isto sem falar nas indústrias culturais, no cinema e na televisão.


Claro que se compreende a perspectiva dos professores catalães - a de destacarem o farol de Portugal como pequeno país que se emancipou de Espanha. Mas não se aceita bem o papel do Instituto Camões, que poderia ter melhor "municiado" os responsáveis da revista com informações sobre o Portugal cosmopolita e moderno. É que não basta trazer na capa um fragmento da obra de Almada Negreiros.

Mais informações sobre a revista podem ser encontradas no sítio de L'Avenç.
publicado por industrias-culturais às 08:47
link | comentar | favorito

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 1 seguidor

.pesquisar

.Junho 2016

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
13
27
28
29
30

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. Transportes públicos japo...

. Televisão japonesa

. Templos em Tóquio

. Novos diretores de jornai...

. Santuário Fushimi Inari T...

. Templo do Pavilhão Dourad...

. Kiyomizu-dera (leste de Q...

. Castelo Nijo (Quioto)

. Quioto à hora do jantar

. Introdução ao teatro Bunr...

.arquivos

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

. Julho 2006

. Junho 2006

. Maio 2006

. Abril 2006

. Março 2006

. Fevereiro 2006

. Janeiro 2006

. Dezembro 2005

. Novembro 2005

. Outubro 2005

. Setembro 2005

. Agosto 2005

. Julho 2005

. Junho 2005

. Maio 2005

. Abril 2005

. Março 2005

. Fevereiro 2005

. Janeiro 2005

. Dezembro 2004

. Novembro 2004

. Outubro 2004

. Setembro 2004

. Agosto 2004

. Julho 2004

. Junho 2004

. Maio 2004

. Abril 2004

. Março 2004

. Fevereiro 2004

. Janeiro 2004

. Dezembro 2003

. Novembro 2003

. Outubro 2003

. Agosto 2003

. Abril 2003

. Março 2003

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub